Há, em ti, espaço para tudo o que sentes?

Crónicas 25 junho 2025  •  Tempo de Leitura: 2

Era incrível se pudéssemos estar sempre alegres. Disponíveis. Leves e felizes. E, de alguma forma, parece ser esse o nosso objetivo. Queremos estar bem. Queremos sentir-nos realizados em todas as áreas da nossa vida. Queremos ser a nossa melhor versão em tudo e com todos. De preferência não falhar, não responder mal, não perder a cabeça, não desiludir os nossos e estar sempre lá, com tudo o que temos de bom.

Também eu me incluo no grupo dos que gostavam de estar bem resolvidos com tudo e com todos. Contudo, nem a vida nem nós somos (ou podemos ser!) assim.

Na verdade, e apenas durante um dia, podemos sentir um pouco de tudo. Começar o dia bem e acabar maldispostos ou demasiados cansados para suportar a voz de alguém. Ou, por outro lado, começar o dia de mau humor e terminar de bem com a vida e connosco. Nós não somos previsíveis e não cabemos em caixas. Não conseguimos controlar tudo e, muitas vezes, nem conseguimos controlar o que sentimos ou como reagimos.

Parece-me importante (ainda que um desafio!) encontrar, internamente, um espaço digno e onde caibam, também, as nossas tristezas, angústias, dificuldades, rasgos de mau feitio, impossibilidades, teimosias, raivas ou descontrolos. Tudo isso também somos nós, por muito que nos custe. E, na tentativa de evitar sentir qualquer uma destas coisas, seremos levados a senti-las mais, precisamente por não lhes termos dado espaço, tempo e, imagine-se, carinho e amor.

A nossa tristeza e a nossa raiva precisam de amor. Mais ainda do que as nossas alegrias e levezas.

E enquanto vivermos de costas para o tudo que sentimos, faltar-nos-á sempre alguma coisa. E haverá sempre um sentimento de incompletude.

Somos feitos do tudo que nos habita, por muito que não seja sempre fácil.

Somos feitos também dos que não soubemos amar, dos que desiludimos, dos que deixámos para trás, sem querer ou saber como.

Somos feitos do que não contamos a ninguém, para não assustar.

E somos feitos de tudo o que calamos, por não lhe saber dar voz.

Mas tudo. Tudo. E também isso és tu. E somos nós.

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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