Não estás cansado?

Crónicas 14 outubro 2020  •  Tempo de Leitura: 2

Não sei se são estes novos tempos. Se é a pandemia. Se é o vírus. Se é a nossa falta de paciência. Se é o desalinho dos astros.

 

Não sei se é esta nova vida que somos obrigados a carregar dentro do peito. Se é a nossa falta de tempo. Se é a nossa falta de fé e de amor.

 

Não sei se é o Céu a querer ensinar-nos qualquer coisa que precisamos de aprender. Ou se somos nós que temos a responsabilidade de ser exemplo para quem vier depois de nós.

 

O que sei é que estamos cansados. Que transpiramos falta de vontade e de calma. Que as mãos vão em piloto automático à cara umas trezentas vezes por dia, ainda que não possam. Ainda que não possamos.

 

Estamos fartos. A transbordar e a ultrapassar (quase) todos os limites. Já não nos chega o lema do “um dia de cada vez”, do “vai passar”, do “amanhã será melhor”. Queremos que seja hoje. Queremos que tudo passe, agora. Neste preciso momento.

 

Sentimos que não temos grandes forças para mais desafios, mas, ao mesmo tempo, vamos de braços abertos e prontos a receber o que há de vir. E enquanto desfilamos no corrupio das máscaras mais ou menos bem-postas e aconchegadas ao nariz, rezamos para que acabe este castigo que não julgamos ter merecido. Fechamos os olhos para não ser confrontados com o que existe agora. Com o que o universo reservou para nós.

 

Respiramos fundo e depois lembramo-nos que é melhor não respirar. A espiral do desconhecido abriu portas e fez morada em todos nós. Todos debaixo da mesma tempestade. E os guarda-chuvas tão pequenos. E partidos. E insuficientes.

 

Estamos cansados. E é compreensível que assim seja. Não nos deram tempo para aprender nada. Não nos deram coragem. Não nos apetrecharam de instruções capazes de fintar este caos imenso que parece ter a profundidade do fundo do oceano.

 

Mesmo assim. Repara e lê com atenção. Ainda estamos aqui. Ainda vamos de remos em riste, ainda que o mar seja picado. Ainda vamos de mochila às costas, capazes de transformar as (muitas) lágrimas em esperança.

 

Ainda estás aqui. Dizem que a esperança é como uma árvore. Onde quer que a plantes, ela nasce.

 

De que tamanho é a tua árvore?

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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