Ainda vais a tempo de seres quem és
Apercebo-me de que, muitas vezes, vivemos em esforço. Sentimos que temos de corresponder às expectativas dos pais, dos professores, dos amigos, da sociedade no geral. Vivemos como se o guião da nossa própria vida nos fosse alheio. Como se nem sempre reconhecêssemos ou tivéssemos consciência dos motivos para seguir este ou outro caminho.
Começamos cedo a querer que os outros nos aceitem. Que gostem de nós como somos, mas, para que isso aconteça, sentimos que temos sempre de ser outra coisa qualquer. Uma versão melhor. Mais bem trabalhada. Mais bem resolvida. Mais aceitável para quem nos encontra.
Começamos cedo a disfarçar. A fazer de conta que estamos a conseguir chegar a todo o lado e a fazer o que nos pedem com uma cara alegre que, tantas vezes, só queria poder estar triste. Ou amuada. Ou zangada. Ou outra coisa qualquer que sempre fica menos bem nas fotografias ou nos stories das redes sociais.
Vamo-nos habituando a sentir menos e, depois, a não sentir de todo. Para nos protegermos. Para sobreviver num mundo que valoriza o esforço sem limites, a produtividade, a mente, o racional e o saber. Assim avançamos pela vida sabendo de tudo, menos de nós e do mundo que nos habita (ou assola?) por dentro.
Creio que a vida não pode ser só isto. Não pode compadecer-se simplesmente desta promessa vazia que nos fizeram: se trabalhares muito e bem vais ser muito feliz. Se fizeres o que é esperado, vais encaixar. Se disseres o que os outros querem ouvir, mesmo que não concordes, vais ser erguido em braços.
Se assim for, ainda não percebemos nada do que viemos cá fazer. Já dizia o agora Santo Carlo Acutis, será que nos contentamos em ser fotocópias? Repetições e réplicas uns dos outros? Sem saber onde começamos e onde terminamos?
Podemos, ainda, (e agora!) começar a esculpir e a descobrir a nossa versão original. Aquela que já quer saber pouco do que os outros pensam. Que se prioriza. Que diz que não mesmo que isso provoque o espanto alheio. Que não se deixa corromper, manipular ou subornar. Que vive para ser quem é, independentemente do que os outros esperam que seja.
Ainda vais a tempo de seres quem és. Todos os outros caminhos acabarão por deixar de valer a pena.