A misericórdia que gera desdém

Crónicas 4 outubro 2025  •  Tempo de Leitura: 3

Somos inundados constantemente com imagens de miséria humana que nos perturbam. Perturbam, mas não é a todos!

 

Assisto com tristeza a vil ataques a manifestações de compaixão em relação a migrantes. Lembro-me de uma imagem de uma jovem da cruz vermelha que consolava um imigrante vítima de um naufrágio e de como ela foi agredida nas redes sociais.

 

Vejo também voluntários de associações que apoiam sem abrigos a serem agredidos sob o pretexto de estarem a incentivar a mendicidade.

 

E vi eu também, na minha cidade, com os meus próprios olhos. Há uns anos passeava na cidade com o meu filho- criança ainda - quando deparámos-nos com um sem abrigo. Aproximamos-nos e abordamos a perguntar se o podíamos ajudar. Estivemos um pouco à conversa e ficou assim. Não o ajudei muito pois na verdade ele também não queria ser ajudado. Limitamo-nos a ouvir e a consolar. Do outro lado da rua ouvia insultos, e olhares de desdém. Senti-me envergonhada e foi difícil explicar a uma criança, qual era o mal do gesto que tínhamos feito. Atravessamos a rua e fomos por outro lado, e mesmo na presença da criança não se coibiram a continuar as " bocas".

 

Falo pouco sobre este episódio que me envergonha e ainda hoje me custa passar lá. Sabem porquê? Porque não tive coragem de os enfrentar e de afirmar o meu gesto. Não salvei ninguém e talvez, não o tenha ajudado mas no meu íntimo sinto que não podemos estar sempre a olhar para o lado como se não fosse connosco. Afinal, nós não somos um comando da televisão a fazer zapping. Alias, acredito que temos na mão inúmeras possibilidades para mostrar misericórdia e compaixão mesmo que isso não salve o mundo.

 

O que ainda não consigo explicar ao meu filho é porque é que a misericórdia incomoda tanto, mas costumo lembrar que Cristo foi mestre nesses atos e também morreu na Cruz. A única diferença é que Ele nos salvou! E nós teimamos em continuar o seu legado. Por isso é que mostrar misericórdia é uma ato de coragem que a tantos incomoda, porque na verdade eles não conhecem o verdadeiro poder transformador que o amor tem.

 

 E tu amiga, quando é que os teus atos de misericórdia foram olhados com desdém?

Raquel Rodrigues

Cronista "Cartas a uma amiga"

Raquel Rodrigues nasceu no último ano da década 70 do século passado. Cresceu em graça e em alguma sabedoria, sendo licenciada em Gestão, frequenta o mestrado em Santidade: está no bom caminho!

Aproveita cada oportunidade para refletir sobre os sentimentos que as relações humanas despertam e que, talvez, sejam comuns a muitas pessoas. A sua escrita é fruto da vontade de partilhar os seus estados de alma com a “amiga” que pode bem ser qualquer pessoa que leia com disposição cada uma das suas cartas.

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