Não te queixes!

Crónicas 2 maio 2023  •  Tempo de Leitura: 2

Há, na vida, dois tipos de pessoas: as que passam o tempo a queixar-se e as que, por mais sofrimento que tenham, não abrem a boca para o fazer. Temos tendência para admirar mais este segundo “tipo” mas talvez haja um resultado quase terapêutico quando nos queixamos.

 

O mundo prefere premiar os que aguentam calados. Os que não levantam ondas. Os que aceitam tudo e vão vergando as costas e, a pouco e pouco, perdendo o fogo próprio da alma. Prefere os que não chateiam com conversas sobre dores ou sofrimentos. Os que não falam dos seus problemas e que fingem, até, nem os ter. Ainda assim, e à medida que a vida nos vai ensinando, percebemos o valor do sofrimento e a importância de o revelar ou deixar transparecer.

 

Há cada vez mais médicos e especialistas a conectar o aparecimento de doenças físicas graves aos sofrimentos não expressados, às dores não vividas e aos traumas experienciados. O sofrimento que engolimos e deixamos guardado a todo o custo vai apodrecer-nos. Infelizmente, é uma situação demasiado literal. Aquilo que não dizes que te dói, vai doer-te um dia (profundamente mais).

 

Julgo que vale a pena encontrar espaço para falar da dor. Do sofrimento. Do que nos custa. Seja isso de que dimensão for. Todos os sofrimentos são válidos. Todas as dores. Rotular uns como mais pequenos, leva-nos a não lhes dar o amor que precisam de ter para ser vistos. Precisamos de dizer às nossas crianças que podem sentir dor. Evitar os “não dói nada” ou os “isso não é assim tão mau”. Cada um sabe quando, onde e como lhe dói. Quem somos nós para dizer o contrário?

 

É preciso ir programando o coração de outra maneira. O que te dói pode ser dito, pode ser partilhado e deve ser visto. Em primeiro lugar por ti. E, depois, pelos outros que partilham caminho contigo.

 

Quem recusa ouvir falar de sofrimento, não sabe onde pôr o seu.

Quem não quer ouvir as dores dos outros, ainda não soube olhar para as suas.

Quem não se deixa quebrar, um dia acaba por ser quebrado.

Não é tarde para olhar para o que não se vê.

Enquanto fugires das tuas feridas elas vão dedicar-se a correr atrás de ti.

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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