Peritos em não-querer-saber!

Crónicas 29 janeiro 2020  •  Tempo de Leitura: 2

Vivemos escondidos dentro das nossas preocupações. Optamos por não olhar em redor, por não ver, por não reparar, por não deixar que a luz dos outros interfira com a nossa. Somos protagonistas de um poema que, antes de começar a ser escrito, já acabou.

 

Vivemos da rapidez e bebemo-la copo atrás de copo, até deixarmos de sentir tudo o que existe para lá do ritmo alucinante que nos pauta os dias.

 

Deixámos de olhar para as pessoas como semelhantes e passámos a olhá-las como gente. Passámos, também, a viver no reino das generalizações. As pessoas são todas iguais, fazem todas o mesmo e estão todas por cá para interferir com as nossas vontades. Estamos cansados uns dos outros sem sequer nos termos dado tempo para a inevitável (e necessária) empatia. Já não olhamos para a frente, nem para o lado. Olhamos para baixo ou, simplesmente, para coisa nenhuma. Aliás, já nem olhamos sequer. O que vamos vendo não é nada porque a paisagem está poluída com os nossos pensamentos em modo ciclo vicioso.

 

Atribuímos características tecnológicas e pouco humanas aos que trabalham e convivem connosco. Esperamos, de cada pessoa, o rigor das máquinas e da ausência de falhas. Esperamos, de cada um, uma boa disposição que nem sempre é possível ou, sequer, real.

 

Não sei quando é que deixámos de ser pessoas uns para os outros. Não sei quando é que nos tornámos tão pouco humanos, tão exigentes, tão carentes, tão incoerentes. Sei que ninguém consegue viver sem sentir, sem esperar, sem querer, sem cuidar.

 

Não sei quando é que deixámos de ser pessoas e passámos a ser gente. Gente dessa que cabe num mesmo saco sem personalidade nenhuma.

 

Não sei se sabemos quem vai aqui, connosco. Não sei quantos já terão ido embora sem que os tenhamos visto.

 

Somos peritos em não ver. Em não querer saber. Se soubermos pouco da vida alheia, podemos inventar com mais criatividade. Podemos ser mais felizes à beirinha da nossa vida vazia.

 

Já vai sendo tempo de querer fazer de outra maneira. Já tentaste e não conseguiste?

 

Tenta outra vez. Ainda há pessoas que valem a pena.

tags: Marta arrais

Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail