Sou como uma peça de barro…

Cartas a uma amiga 11 fevereiro 2024  •  Tempo de Leitura: 4

Independentemente das analogias cristãs, dou por mim a refletir sobre as imperfeições do ser humano, ou melhor as minhas e dou por mim a pensar que apesar de trabalhar para ser melhor, por vezes, parece inglório. Quando achamos que aquela aresta do teu comportamento, que andas a limar há anos, volta a aguçar e revelar o que de menos bom tenho... fico desanimada! Não ficas também?

 

Pois é, na tentativa de me confortar, perante tal frustração, veio à cabeça a imagem de uma peça de barro. Consegues fazer esse exercício comigo? Ora imagina lá, pode ser um jarro, um prato, o que quiseres ser… escolhe a peça de barro que queres ser. Eu imagino-me um jarro! E associo a minha personalidade ao processo de formação de um jarro de barro.

 

Quando somos novos, somos como barro ainda mole, ainda moldável e que está disponível para ser trabalhado e tornar-se no que quiseres.

 

À medida que crescemos, começamos, tal como o barro a ganhar forma, e à medida que o tempo passa…a secar. E à medida que seca, torna-se cada vez mais difícil de trabalhar.

 

Na fase adulta, já temos uma forma, mas também já estamos mais secos e difícil de moldar, e tal como o jarro sinto que à medida que lhe dou uso acontecem dois processos paralelos:

 

- Por um lado, depois de dar forma, quero torná-lo mais bonito, pintar, limpar e decorar. Tento fazer o mesmo com as minhas atitudes. Tento que não se fiquem apenas pela aridez do barro mas pela função dessa mesma peça… servir.

- Por outro, reparo que começam a aparecer pequenas rachas, falhas que por mais que tente reparar, tendem a abrir mais, até que chega um dia que não há pintura que disfarce. Estamos secos!

 

Se imaginar uma outra peça qualquer. Que seria? Que uso lhe darias?

 

No meu exercício, sou um jarro! E diariamente a encho e esvazio. Encho-a de preocupações, rotinas, canseiras e ansiedades, mas também a encho de satisfação, pelo trabalho cumprido e pelo que faço com o que me é dado fazer.

 

Outras vezes, enchem-me o jarro de tal ordem que não controlo se chega, ou não, aquelas rachadelas que queremos evitar que se notem. E quando chega... já não há nada a fazer! Pronto, estala o verniz e as outras peças de barro olham para nós, com ar de espanto perante as nossas rachadelas.

 

E rapidamente deixam de olhar para o serviço que fazemos, para a alegria e beleza que as nossas pinturas trazem, para se concentrar nas rachadelas apareceram.

 

Até ao dia em que, o teu prato também começa a rachar e concluis: Afinal todos temos rachadelas - são elas que nos tornam únicas, mas não são elas que nos definem. Aliás, talvez a grande vitória é assumir esses defeitos e em que pontos eles estão.

 

Não me quero definir pelas rachadelas que tenho, pois podem ofuscar a beleza de tudo quanto posso fazer (embora às vezes… é só o que vejo).

 

Enquanto isso, vou controlando o tamanho das rachadelas, e a quantidade de água que ponho no jarro.

 

Ou será que mais vale atirar ao chão e começar de novo?

 

Porque não?

 

E tu? Como lidas com as tuas rachadelas?

Raquel Rodrigues

Cronista "Cartas a uma amiga"

Raquel Rodrigues nasceu no último ano da década 70 do século passado. Cresceu em graça e em alguma sabedoria, sendo licenciada em Gestão, frequenta o mestrado em Santidade: está no bom caminho!

Aproveita cada oportunidade para refletir sobre os sentimentos que as relações humanas despertam e que, talvez, sejam comuns a muitas pessoas. A sua escrita é fruto da vontade de partilhar os seus estados de alma com a “amiga” que pode bem ser qualquer pessoa que leia com disposição cada uma das suas cartas.

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