Recentemente cruzei-me com um pensamento surpreendente de Henry David Thoreau—
«Hoje em dia existem professores de filosofia, mas não filósofos. E, no entanto, professar é algo admirável, porque outrora viver era algo admirável. Ser filósofo não é apenas ter pensamentos subtis, nem sequer fundar uma escola, mas amar a sabedoria de tal modo que se viva de acordo com as suas directrizes — uma vida de simplicidade, independência, magnanimidade e confiança. É resolver alguns dos problemas da vida não apenas teoricamente, mas também na prática.»
Sou Professor de Engenharia, mas serei engenheiro?
A relação entre “professor” e “professar”, ainda que hoje pareça ténue, conserva uma força simbólica que merece ser recuperada. Ambas as palavras partilham a mesma raiz latina, profiteri, que significava declarar publicamente, assumir diante de outros uma afirmação, um compromisso, um saber que se torna explícito. No entanto, ao longo dos séculos, estas palavras tomaram caminhos distintos: o substantivo evoluiu para nomear uma profissão, enquanto o verbo se manteve ligado sobretudo à esfera religiosa ou ideológica, como se apenas as crenças pudessem ser professadas e não, também, o conhecimento.
Este afastamento semântico não é inocente. De certa forma, reduziu-se o professor a um técnico do ensino (instrutor), alguém que transmite conteúdos e cumpre programas, enquanto se perdeu a dimensão mais profunda que o verbo transporta: a de assumir publicamente uma posição perante o mundo. Professar não é apenas dizer, é declarar, comprometer-se, tornar visível aquilo que se considera digno de ser sustentado. Se o professor é, etimologicamente, aquele que professa, então a docência envolve algo mais do que a simples transmissão de conhecimento ou informação. Implica uma responsabilidade moral que é a de assumir o conhecimento como algo valioso, que merece ser afirmado e partilhado, uma forma de presença e não apenas de função.
Ao longo do tempo, a escolarização massificada, a especialização disciplinar e a crescente burocratização do ensino contribuíram para transformar a figura do professor num executor de planos e regulamentos. O verbo “professar” acabou por ficar à margem desse universo de significado e mais associado a votos religiosos ou a declarações de fé. Mas talvez valha a pena perguntar o que ganharia a educação se reaproximássemos estas duas palavras. O que significaria recuperar o acto de professar no quotidiano de quem ensina?
Antes de mais, significaria reconhecer que ensinar não é apenas uma actividade técnica, mas também um acto público de compromisso. Um professor que professa o seu saber não é alguém que recita conteúdos, mas assume-os como parte da sua identidade intelectual. Professar, neste sentido, não implica dogmatismo, mas antes autenticidade. Implica mostrar aos estudantes que o conhecimento que se transmite não é neutro, mas nasce de uma história, de uma prática, de uma curiosidade real, é pessoal. Implica, também, admitir limites e incertezas, porque professar não é dogmatizar, mas declarar com honestidade o estado do que se sabe e, por vezes, do que não se sabe.
Recuperar o verbo “professar” num “professor” seria, portanto, resgatar a dimensão ética e pública da docência. Ser professor deixaria de ser apenas ocupar uma posição institucional e passaria a envolver um gesto mais pleno. Isto é, o gesto de declarar abertamente o valor do conhecimento, e o de assumir que ensinar é um acto de responsabilidade perante a comunidade. Talvez, ao reinscrever “professar” no vocabulário pedagógico, devolvêssemos ao professor a sua condição original. A condição de alguém que, ao falar, compromete-se, e que, ao comprometer-se, convida outros a pensar.