O Advento está em Saldos

Crónicas 2 dezembro 2025  •  Tempo de Leitura: 4

Faz hoje 50 anos que faleceu Pierpaolo Pasolini, cineasta, poeta, escritor, dramaturgo, crítico de arte e pintor italiano. E qual é a razão para me lembrar de alguém marxista e anticlerical no inicio do Advento? Porque foi um observador atento das mudanças na sociedade italiana desde o pós-guerra até meados da década de 1970. Suscitou com frequência fortes polémicas, pela radicalidade de suas opiniões, altamente críticas quanto aos hábitos da sociedade de consumo:

 

«Nenhum centralismo fascista conseguiu fazer o que o centralismo da civilização de consumo fez. (...) A “tolerância” da ideologia hedonista desejada pelo novo poder é a pior repressão da história da humanidade».  Dezembro de 1973

 

Ao prepara-me para o inicio de mais um Advento, não consegui evitar o olhar sobre a Black Friday, agora transformado em Black Week ou até mesmo em Black Month. Fiquei a pensar no que Pasolini teria dito sobre o que aconteceu a este capitalismo de consumo que o escritor captou no seu ainda incipiente e frágil inicio... O espírito do capitalismo do século XIX, associado ao trabalho, à fábrica e aos empresários, transformou-se no espírito do consumo total, um novo culto global que está a gerar uma nova cultura universal.

 

Além disso, com a disseminação da meritocracia promovida pela cultura empresarial norte-americana neste século XXI, a pobreza é vista como vergonha e como culpa. Da mesma forma, a riqueza só é valiosa quando vista pelos outros. Ser rico sem que ninguém veja, saiba ou inveje, não tem valor algum. A riqueza só é real se for ostentada e admirada pelos outros.

 

Percebemos, como consequência, que o capitalismo centrado no consumo exerce uma forte pressão sobre o sentimento de vergonha: mesmo que sejamos pobres em rendimentos ou trabalho, no  consumo podemos parecer ricos. Ostentamos os mesmos carros, as mesmas casas, os mesmos divertimentos, as mesmas férias. Um consumo alimentado por empréstimos fáceis e pela ilusão dos euromilhões e das redes sociais.

 

A invasão desta nova religião global deveria, por isso, ser motivo de grande preocupação para aqueles que acreditam que a espiritualidade e a fé são o verdadeiro caminho de felicidade.

 

Mas não parece ser o caso: quantos de nós já fizemos uma objeção de consciência a este novo culto? E quantos proprietários de lojas? Creio que muito poucos. Em vez disso, assistimos a um grande entusiasmo por estas novas romarias...

 

O cristão primeiro deve compreender, em seguida viver e depois anunciar que não há terra prometida a alcançar, nenhum evangelho a proclamar a cidadãos reduzidos a consumidores, com a alma esvaziada por coisas.

 

Ainda bem que tivemos a Campanha do Banco Alimentar Contra a Fome! É sempre uma lufada de ar fresco no egocentrismo desta sociedade cada vez mais convertida ao consumismo.

 

Hoje, a fé deve ser vivida principalmente como uma abertura à esperança. Alimentar a esperança é praticar a crença de que existem realidades invisíveis, e que essas realidades são a nossa salvação. Escapar à precariedade em que nos encontramos neste mundo de consumo para um dia chegarmos à Terra Prometida. «Só a esperança na vida eterna nos torna verdadeiramente cristãos», escreveu Santo Agostinho.

 

Votos de um Santo Advento.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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