Cristão Agnóstico

Crónicas 13 novembro 2025  •  Tempo de Leitura: 5

Pode um cristão ser agnóstico? Pode e devia. A palavra fé teve o seu significado original na palavra grega pistis que significa confiança, compromisso e envolvimento pessoal. Ou seja, à fé associava-se uma vivência activa inspirada na vida de Jesus. Porém, quando S. Jerónimo traduziu a Bíblia para o Latim optou por corresponder pistis à palavra fides que significa crençaem vez de confido, transformando “fé” numa questão de concordância intelectual. Recentemente descobri uma visão do agnóstico que se assemelha muito ao caminho que considero saudável para viver uma teologia da dúvida através da qual aprofundamos a nossa fé questionando a nossa crença.
 
Lesley Hazleton (1945-2024) foi uma jornalista que se focou sempre na intersecção entre religião e política, escrevendo as suas intelecções mais pessoas num blog que traduz a sua experiência como agnóstica — a Teóloga Acidental (accidentaltheologist.com, último post em 2019). Cruzei-me com o seu livro "Agnostic - A Spirited Manifesto" ao ler o livro do capelão humanista de Harvard, Greg Epstein, intitulado "Tech-Agnostic", e fiquei curioso. O modo como ela descreve ser agnóstico não é pela essência de meramente não-saber mas «o magnífico oxímoro inerente ao conceito de incognoscibilidade», isto é, saber que não-sabemos (sendo o que faz um oxímoro ao extrair um significado mais profundo da junção de duas ideias aparentemente contraditórias). Ela afirma que isto significa reconhecer de que nem tudo pode ser conhecível, e que nem todas as questões têm uma resposta definitiva—«É o reconhecimento de que precisamos de espaço para o mistério, para a imaginação, para aquilo que se sente mas não se prova, que se intui mas não se define — espaço onde possamos explorar e acolher possibilidades, em vez de corrermos directamente para um lugar seguro numa das extremidades de um espectro falsamente construído.»— Ou seja, dar espaço à dúvida para que nos impulsione a aprofundar a nossa fé como confiança de que a abertura da mente e do coração permitirão a Deus revelar aquilo que Ele quiser que eu experimente na relação com Ele.
 
Um cristão agnóstico sabe que não-sabe e abre-se totalmente ao que Deus quiser que ele saiba. O "saber" do ponto de vista do cristão agnóstico não corresponde à ânsia pela concordância intelectual que a crença lhe exige, mas ao desejo pela curiosidade espiritual que a fé lhe suscita interiormente. A dúvida não é um caminho de cepticismo que desafia a experiência que podemos fazer de Deus, mas o saudável caminho de humildade que aprofunda a experiência que podemos fazer de Deus.
 
É bom questionar as nossas crenças, de modo a não sermos dominados pelas ideias fixas que fecham a porta da mente e do coração ao que Deus quiser revelar, seja em que momento for da nossa vida. É bom duvidar com a nossa fé que nos faz experimentar a confiança na possibilidade de clareza em relação a tantas questões que as contrariedades da vida colocam ao modo como vivemos a espiritualidade. A dúvida de um cristão agnóstico permite-lhe viver a espiritualidade ao modo que Deus quiser, em vez do modo que queremos nós. Porém, onde se enquadra aqui a experiência religiosa?
 
Será que um cristão agnóstico tende a viver as coisas sozinho por sentir que viver em comunidade, por exemplo, quando vai a uma celebração religiosa, é "ir com a manada"? Será que o reconhecimento de sermos agnósticos nos leva a sentirmos estar à parte daquilo que a maioria está a viver? Eu diria: muito pelo contrário!
 
Por que razão haveria o cristão agnóstico de criar espaço para viver uma espiritualidade aberta ao mistério e depois afastar-se daqueles que podem enriquecer esse espaço? Se reconheço a presença de Jesus no irmão, a sua presença e a vivência de experiências de Deus comuns, em comunidade, é essencial para estarmos atentos ao que Deus nos quiser revelar através dos outros e até da própria natureza. Para vivermos com profundidade a abertura de ser cristão agnóstico é essencial acolhermos dos outros a presença de Deus neles.
 

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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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