Quando “nasci” para a vida da docência académica, a vigilância dos exames nas universidades era considerado um dever generoso. Ninguém gosta, mas quando esses que não gostam são os responsáveis da disciplina que tem muitos alunos, já são da opinião de que todos precisamos de contemplar essa missão como um dever generoso. Acontece que nos últimos tempos, dei-me conta de que a recusa persistente de alguns a esse dever deram tantas dores de cabeça a quem generosamente procura garantir as condições de vigilância de exames que a nova cultura é: cada um por si.
O dever generoso existe em muitas outras realidades para além da academia. Pode ser em instituições de caridade como os Vicentinos, serviços de gestão nas escolas e departamentos nas universidades, catequese numa paróquia, ou seja, em toda e qualquer situação em que sentimos com alegria interior o dever de dar porque um dia fomos aqueles que de outros recebemos e queremos seguir o seu exemplo. Isso, sem que nos paguem mais (ou de todo) ou compensem por isso. A compensação está no serviço assente numa cultura do dever generoso.
A emergente cultura do “cada um por si” advém do típico desabafo (mesmo que não seja verbalizado)—«Não me pagam para isto.»—que acontece de cada vez que recebemos uma recusa de alguém e pensamos: não pode mesmo dar de si generosamente; ou pode, mas não quer, e procura não dar isso a entender. Ninguém tem o direito de julgar aquele que recusa um dever generoso porque ninguém sabe totalmente aquilo que o outro está a viver a não ser que lhe pergunte directamente e o outro esteja disposto a responder.
O dever generoso é uma inspiração de natureza evangélica pensando quando S. Mateus escreve—«Recebestes de graça, dai de graça.» (10,8)—A reciprocidade pode ser vista em função do próprio interesse—faço-te na expectativa de um dia fazeres a mim—ou em função do interesse do outro—faço-te independentemente de um dia fazeres a mim. No primeiro caso pode nascer dentro do pensamento e coração o sentimento de mágoa e arrependimento de ter dado, danificando os relacionamentos, e quando recebe desabafa—“Finalmente…”. No segundo caso, quem dá sem nada esperar, vive livre, desapegado e se, porventura, recebe, genuinamente exclama—“Que surpresa! Obrigado…”
A incidência da cultura do “cada um por si” parece justificar-se por se estar num ambiente profissional. De facto, sou da opinião que algo como a vigilância de exames podiam ser horas enquadradas na gestão académica. Como a avaliação do desempenho de um docente depende da actividade de gestão também, bastaria que ficasse enquadrada e passaria a está dentro da frase—“Pagam-me para isto”. Mas não poderia a vida profissional conter um pouco da cultura do dever generoso?
Na prática, enquanto o centro de acção das instituições forem os índices de desempenho, e nas empresas o lucro, dificilmente o dever generoso encontrará espaço para que a realização profissional inclua a gratuidade como aspecto importante acolhido por todos. O dever generoso traz para a vida profissional a compreensão, a inter-ajuda, o fortalecimento dos relacionamentos, a conversão do “faço o que me mandam” para o “faço com gosto”. Todos sonham com o trabalho como algo que nos torne mais humanos, é insubstituível por qualquer Inteligência Artificial. O segredo poderá estar na cultura que geramos a partir de um coração generoso.