A "Sentificação" do Cosmos

Crónicas 24 setembro 2025  •  Tempo de Leitura: 4

Qual a explicação para a existência do cosmos? Essa é a pergunta que a ciência se coloca desde sempre. Para alguns crentes, a resposta muitas vezes dada a esta pergunta foi (e, por vezes, ainda é) “Deus”. Mas a teoria do Big Bang e muitas outras explicações científicas parecem gradualmente retirarem espaço a Deus, remetendo-O para o lugar recôndito onde a mente humana coloca aquilo que não existe. Tudo isto por causa de um limite da nossa linguagem que gostaria de resolver.

 
No fundo, quem reconhece Deus como criador do cosmos, neste momento, não tem outra solução senão pensar que esse reconhecimento seja uma “explicação”. Porém, o que na realidade estão a reconhecer é que encontram em Deus o sentido da experiência que fazem da sua própria dimensão espiritual. Nós, pessoas, que somos parte inextricável do próprio cosmos. Porém, uma explicação não tem qualquer propósito de dar sentido seja ao que for. Explicar é o acto de tornar algo inteligível para nós, mesmo que não faça de modo algum parte do sentido que damos à nossa experiência de algo. Por outro lado, não existe qualquer verbo que possua o mesmo poder de síntese, como o verbo “explicar”, e que se defina por aquilo que dá sentido à experiência. Assim, proponho o neologismo verbal: sentificar.
sentificar
v. tr.
Etim. do lat. sensus (“sentido”) + -ficar, de facere (“fazer”).
1. Tornar dotado de sentido; fazer sentido.
2. Atribuir coerência ou significado a uma experiência vivida.
 
Uma sentificação de algum aspecto da realidade refere-se a algo que dá sentido à experiência que fazemos dessa realidade. Por exemplo, o amor único que experimento por cada um dos meus filhos sentifica-se pelo relacionamento pessoal com cada um. Isto é, o modo inigualável com que cada um dos meus filhos se relaciona comigo devido à sua personalidade, dá sentido à experiênciaque faço de amar cada um de modo único. Não sei explicar esse amor porque não é propósito de qualquer lei científica alcançar a dimensão espiritual experienciada no amor. O amor não se explica, sentifica-se.
 
A ciência consegue explicar o cosmos pelo pressuposto de que este é inteligível. A teologia consegue sentificar o cosmos pelo pressuposto de que Deus faz-Se perceptível. Se o ser humano não possuísse uma dimensão espiritual, tal como possui uma corporal e outra mental, seria impossível percepcionar Deus que Se faz presente através dos relacionamentos que existem entre todas as coisas.
 
Sentificar poderia ser confundido com santificar, mas são verbos diferentes. Da mesma forma que uma letra pode fazer toda a diferença numa palavra— “vida” e “visa”— também aqui importa compreender o valor dessa distinção. Tornar santo é uma coisa, e dar sentido à experiência de algo é outra.
 
Sendo uma palavra nova é ainda incerto o impacte que pode ter, mas reparem no seu efeito em relação a questões que até agora dispunham apenas da palavra “explicação” aquando da sua formulação, por exemplo: como sentificar os milagres? O sucedido pode ser cientificamente explicado, mas o milagre não se limita ao sucedido, por mais extraordinário que seja, mas revela o inefável processo interior transformativo dessa experiência. Daí que procuremos sentificações para esse milagre.
O corpo sente, a mente explica e o espírito sentifica. Penso ser esta a tridimensionalidade do ser humano que lhe permite acolher Deus como a sentificaçãodo cosmos.
 

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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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