Onde ancorar o nosso olhar?

Crónicas 16 setembro 2025  •  Tempo de Leitura: 4

Onde ancorar o nosso olhar?

 

Para todos aqueles que se encontram numa situação difícil: a morte de um familiar ou amigo; a dura luta contra uma doença oncológica... A vida não é fácil.

 

Com o passar dos anos tomamos consciência que a experiência da vida não é simples nem leve. Tal como os israelitas no livro dos Números. (Nm 21, 4b-9)

 

E isto vale para todos. Certamente, existem situações extremas. Gente que vive na primeira pessoa a doença, a guerra, a fome ou os desastres naturais. Mas mesmo para os poupados a tais desastres, as dificuldades da vida apresentam-se em toda a sua complexidade.

 

Por mais que nos sintamos financeiramente seguros, sabemos que o dinheiro não é tudo e, acima de tudo, não garante a serenidade e o verdadeiro bem-estar. Em última análise, todos nos vemos a ter de lidar com o fim da nossa existência, e ter ou não dinheiro resume-se a muito pouco.

 

Da dureza da vida, da qual ninguém está isento, emerge precisamente a fragilidade desta, onde simplesmente ter alimento não chega, onde, tal como as serpentes no deserto, tudo nos traz insegurança, vulnerabilidade e sofrimento. Para enfrentar os perigos do deserto, Moisés, a mando de Deus, constrói uma serpente de bronze e pendura-a num poste: olhar para esta serpente significa estar salvo das suas mordeduras.

 

É o sinal que Deus envia para que o povo cansado possa reaprender a confiar, a acreditar no Seu amor. E é interessante que Deus não elimina as serpentes, que continuam a morder o povo. Mas oferece um antídoto mais forte do que o veneno, com o poder de curar. O mal permanece, mas não conduz necessariamente à morte.

 

Paradoxalmente, o povo não deve lutar contra as serpentes, não deve tentar eliminá-las. Nunca o conseguirá, porque sozinhos não conseguimos derrotar o mal.

 

Jesus reinterpreta este sinal a partir daquele que será o seu destino enquanto homem crucificado: «E, assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna.» (Jo 3, 14-15)

 

A sua vida e morte são como a serpente levantada, visível por todos, e quem olha para ela vê algo que o pode curar. Na cruz vemos o amor do Pai por cada um de nós: «Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.» (Jo 3, 16).

 

O mal não desapareceu. Existe, e é um mal que gera a morte, um mal que procura perturbar o caminho para a liberdade, para a terra prometida, para a vida eterna. O mal que é, em última análise, falta de confiança, falta de amor. 

 

Aqueles que levantam os olhos e contemplam o Senhor pendurado na cruz já não podem acreditar que Deus não os ama. A cruz é o antídoto que nos pode salvar. Só a cruz o pode fazer.

 

Caros amigos que sofreis, a fé, em última análise, é precisamente isto: crer, ser capaz de se abrir a uma dimensão que, embora não tire a dor e o sofrimento, atravessa-o, rasga-o e permite-nos apreender aquele vislumbre de luz que não conhece a morte e ancora o olhar naquele para além.

 

Resumindo: será verdade que a morte é o limite intransponível da vida, o fim de tudo? Se sim, então é bom olhar para baixo, cauteloso com as cobras que nos enredam os pés na esperança de que a sua mordedura nos apanhe o mais tarde possível. Se não, certamente tentaremos sempre evitar as cobras, mas acima de tudo, tentaremos manter o nosso olhar fixo nesta luz, permitindo que as nossas vidas se encham daquela esperança que dá sentido ao nosso fatigado viver.


Coragem!

 

Rezemos uns pelos outros.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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