Recentemente li que a Suécia estaria a regressar ao ensino analógico, abandonando o digital. Em poucos anos percebeu o que há algum tempo se sabia: não há como pôr as mãos na massa, em vez dos dedos no ecrã.
Desde 2007, quando surgiu o primeiro iPhone, que se tem assistido a uma crescente materialidade desincarnada, isto é, a virtualidade que precisa apenas dos dedos-materiais, e de um ecrã-material, para capturar a nossa atenção, dando-nos a sensação de lidarmos com “algo” que, na prática, é desincarnado, não tem formato próprio, mas pode assumir qualquer formato por ser pura informação.
A vida em ambiente digital não vive de experiências, mas de conteúdos. Foi o que senti da última vez que viajei para o país que abraça de um modo mais consciente o ensino analógico de modo a participar numa conferência. Nos aeroportos cruzamo-nos com pessoas de muitas culturas e línguas, mas o denominador comum era a selfie.
O tristemente curioso foi numa eucaristia, depois de ter voltado, em que houveram dois baptizados, ver uma família em que o marido apenas sabia algumas das orações, a tirar selfies enquanto o ritual do baptismo se iniciava. Cada eucaristia é uma oportunidade de experimentar Deus no interior de nós próprios, mas gerar conteúdos como parte da materialidade desincarnada em que muitas pessoas vive, sem se importar muito com isso, demonstra de novo o domínio do conteúdo partilhável sobre a experiência pessoal. Um dia iremos dar conta que quanta atenção perdemos e que não mais recuperaremos. Como restaurar a atenção e recomeçar a desejar mais experiências pessoais em vez de conteúdos digitais?
A restauração da nossa atenção é uma teoria dos anos 1990 do casal Kaplan que passa pelo maior tempo de contacto com o mundo natural. Com um discurso perfeitamente laico, esta teoria assenta numa experiência profundamente espiritual. O Tempo da Criação que vivemos sempre no mês de setembro no mundo Católico por iniciativa do Papa Francisco, alinha-se com a natureza cíclica da nossa existência para nos convidar a abrir o coração, que envolve corpo, mente e espírito, à experiência espiritual incarnada.
Não tenho dúvidas sobre as vantagens abertas pelas tecnologias digitais. Em Lund, na Suécia, procurei ir à missa consciente de que iria compreender uma palavra apenas: Amém. E foi graças à aplicação do Secretariado Nacional da Liturgia que consegui acompanhar as leituras usando o telemóvel. E com a ajuda do ChatGPT, até consegui perceber como é que os suecos desejam a paz uns aos outros naquele momento particular da Eucristia. Mas quando chegou esse momento, curiosamente, todos fizemos uma vénia, sorríamos e desejávamos com o coração a paz ao outro. Com poucas palavras ou mesmo nenhuma.
O regresso ao lápis e papel no processo de aprendizagem, não significa voltar aos tempos antigos, mas reconhecer que a experiência pessoal é mais importante para o nosso desenvolvimento e amadurecimento do que os conteúdos digitais que geramos ou acessamos para capturar a atenção do outro ou vender a nossa. E isto por uma razão muito simples: a experiência pessoal é profundamente espiritual.