Uma jovem expressou no TikTok a sua desilusão com o pinterest. Queria inspirar-se naquilo que outras pessoas haviam feito criativamente ao seu jardim e a maior parte das imagens eram geradas por ferramentas de Inteligência Artificial. Queria confrontar-se com a verdade, mas deparou-se apenas com o seu semelhante. E, por enquanto, ainda conseguimos distinguir aquilo que é verdade daquilo que uma IA gera e parece verdade, mas o que nos acontecerá quando formos incapazes de fazer essa distinção? A verdade parece estar ameaçada.
Quando a falsidade por ignorância ou falta de validação se torna a nova verdade, com a capacidade que temos de gerar conteúdos falsos, torna-se cada vez mais difícil discernir o que é ou não verdade. Isso acontece com as imagens de jardins que não existem, como nos conteúdos que alguém coloca num vídeo no Youtube, bem produzido e com imagens realistas, mas que não são verdade. Se continuarmos a alimentar-nos dos conteúdos que fazem para nós sentido porque se alinham com a nossa experiência, mas parte desses conteúdos começar a entrar num campo que conhecemos pouco, apesar de os colocar em questão, perdemos gradualmente a capacidade de avaliar e distinguir o que é verdade daquilo que não é, ameaçando—sem nos darmos conta disso—a verdade.
Custa-me a crer que a fase da pós-verdade, enquanto a cultura humana evolui, seja viver o que nos parece ser verdade em vez do esforço de procurar por aquilo que é realmente verdadeiro. Ou que seja uma fase em que haja pouco interesse pela verdade, sobretudo quando não se alinha com o que sinto e penso ser verdade. A questão da verdade num mundo que sobrevoa sobre tudo por existir informação sobre tudo e mais alguma coisa, sem pousar sobre nada, é delicada. Tenho a impressão de que pouco tempo dedicamos a conhecer profundamente a verdade. O que significa realmente conhecer a verdade em profundidade?
Neste tempo em que vivemos onde temos acesso a toda a informação, aquilo que nos pode limitar parece-me ser a compreensão da informação a que temos acesso. Por exemplo, se alguém fizer um vídeo falando em português a descrever uma verdade profunda e validada, se o inglês não souber português e não tiver acesso a um serviço capaz de captar correctamente o texto falado, traduzindo para inglês e apresentando a tradução correcta em legendas, a pessoa não terá acesso a essa verdade. O inglês ficará circunscrito à "verdade" exposta na sua língua.
Hoje em dia, se um conteúdo que seja verdade estivesse escrito, existem funcionalidades nos navegadores de internet que permitem traduzir para inglês conteúdos escritos em outras línguas, mas isso implicaria que o inglês soubesse um mínimo de português, ou que usasse um serviço de inteligência artificial que procurasse conteúdos independentemente da língua e os traduzisse (correctamente) para o inglês que ele conhece.
Com este exemplo, que poderia ter sido totalmente inverso, e ser um português que tem apenas acesso a conteúdos em português (maioritariamente brasileiros), quero expressar que conhecer a verdade implicar explorar diversidade de conteúdos onde se incluam tanto os pontos como os contrapontos.
Nem sempre o que eu sinto ser verdade é, realmente, verdade. Se sinto um distúrbio interior quando alguém questiona o que considero ser verdade, isso deveria ser um sinal positivo de que devo questionar também o que considero como verdade. Em última instância, só o contraponto pode dar sentido ao ponto em que acredito.
Uma solução possível para superar a ameaça à verdade quando me circunscrevo a conteúdos cuja língua conheço ser ler mais conteúdos escritos, que possam ser traduzidos por ferramentas que são já bastante boas a fazê-lo, do que me fiar em podcasts ou vídeos no YouTube. Por exemplo, no meu caso, além do português, uma boa parte dos conteúdos lia também em inglês, mas como sei italiano, comecei a procurar mais conteúdos nessa língua. Porém, como não sei alemão, fico a pensar quanta verdade desconheço que pudesse alterar a minha percepção sobre um qualquer assunto. Aliás, isso aconteceu quando ao procurar material para um estudo científico verifiquei que um artigo interessante estava escrito em japonês! O que vale é que a matemática nele contida era uma linguagem que percebia, mas sem as explicações de pouco servia.
A imagem saturada de vida e cores, assim como o som, por mais atrativos que sejam, creio serem uma das razões de vermos a verdade ameaçada. Mesmo se possui os seus limites, a escrita suscita as cores e a vida no interior da nossa mente que pensa, sente e questiona. A escrita abre-nos, com as traduções, a contrapontos, ajudando-nos a superar ameaças e a aproximarmo-nos da verdade. Será que o futuro implica um regresso à leitura, lenta e profunda?