A morte violenta, o suicídio — são acontecimentos que excedem...
Temos assistido a mortes trágicas, (Diogo Jota e André Silva), suicídios (recordo aquele padre italiano, Matteo Bolzabo, 35 anos), catástrofes naturais (Texas, Barcelona). Estes acontecimentos dão origem a tantos comentários e opiniões, que acabamos por ficar ainda mais confusos e tristes. Prefiro ouvir Oración, dos Héroes del Silencio.
Quando alguém próximo de nós decide, por razões conhecidas ou desconhecidas, rejeita o dom da vida, revela-se o mistério que é cada pessoa, o drama da liberdade que torna cada um, em última análise, responsável pelas suas próprias escolhas, mas também revela o sofrimento íntimo e profundo que o levou a tal ato.
Devemos entregar-nos ao mistério da pessoa, à sua liberdade, porque cada um de nós é responsável pela sua própria vida diante de Deus.
E o que é essa liberdade? Como é? Somos sempre livres?
«O nosso cérebro está desenhado para ser feliz e recupera-se, assim como todos os nossos órgãos e tecidos. O problema surge quando não conseguimos processar adequadamente o que aconteceu. Sem orientação adequada, o cérebro pode entrar em tilt.
O stress pós-traumático é uma condição na qual as funções corticais responsáveis pelo processamento cognitivo da informação, ou seja, a racionalidade, são desativadas. Em vez disso, são ativadas as funções emocionais responsáveis pela fuga e defesa. É como se as nossas funções cerebrais não se conseguissem integrar adequadamente porque algumas estão desativadas, e sem a função cerebral plena, não pode haver liberdade plena.»
Paola De Rose, neuropsiquiatra.
A morte violenta, o suicídio — são acontecimentos que excedem. Excedem a lógica, excedem a prática do quotidiano, excedem o comentário. São fissuras na realidade diária, feridas que não podem ser curadas pelo bálsamo das palavras.
Querer explicar, analisar ou comentar no imediato é, normalmente, uma forma de defesa narcisista: protege-nos de sermos tocados, contaminados... Ilude-nos, levando-nos a pensar que o mal pode ser classificado em categorias sociológicas, psicológicas ou culturais.
Pelo contrário, fazer silêncio é reconhecer que não compreendemos o acontecimento, que nem tudo está aberto à interpretação. Não é um vazio, mas um espaço sagrado; não é inércia, mas atenção radical. Silenciar é abrir espaço ao outro, ao seu ser único.
Numa era de palavras usadas em excesso, explicações chapa 5 e comentários compulsivos, o silêncio continua a ser o único gesto de verdade. Porque só quem permanece em silêncio ouviu verdadeiramente. E só quem ouviu poderá, talvez, um dia, falar sem magoar, nem magoar-se.
Perante estas tragédias, podemos primeiro oferecer as nossas orações na certeza de que não nos cabe a nós julgar. Só Deus conhece as profundezas do coração do ser humano, o seu sofrimento, a sua angústia...