O outro não é um inimigo
Vivemos numa sociedade cada vez mais fragmentada. A intolerância tem aumentado e cada mudança é vista como uma ameaça, tanto a nível internacional como a nível nacional.
O período que se seguiu à 2ª Guerra Mundial, levou-nos a acreditar que a liberdade e a paz entre as nações era um dado adquirido. O pluralismo era algo comummente aceite. Que aqueles que são diferentes – na cultura, no género, na língua, na religião, no estrato social – podiam fazer parte, da vida em comum, por direito próprio. E nós portugueses confirmamos no 25 de Abril de 74.
Os acontecimentos destes últimos tempos, na Ucrânia, em Gaza, e agora entre Israel e o Irão; os novos radicalismos no nosso país; a violência nas escolas na Europa e nos Estados Unidos, obrigam-nos a reconhecer que as coisas são mais complexas do que se deseja.
Na esfera política, as posições polarizam-se e a linguagem torna-se conflituosa. As diferenças deixam de ser oportunidades de diálogo e passam a ser fronteiras a defender. E, para piorar a situação, temos também as redes sociais que adoram a violência, a discussão, o proselitismo e, muitas vezes, a mentira e a calúnia.
Não caminhamos para um mundo mais inclusivo, com mais compreensão e convivência. Pelo contrário, assistimos a um lento retrocesso no reconhecimento do outro, seja pessoa, seja comunidade ou nação. A alteridade, longe de ser acolhida, é cada vez mais percebida como uma ameaça.
Se estivermos atentos, os sinais são tão numerosos que já não é possível ignorá-los. O outro que desilude as expectativas torna-se um obstáculo à nossa autorrealização. Ao ponto de, em alguns casos, ser morto. O estrangeiro que procura refúgio é tratado como um invasor. O pobre e o doente é escondido...
Vivemos de uma forma que nos leva a defender a todo o custo o nosso bem-estar. Cada mudança, cada sinal de alteração, cada acontecimento inesperado é percebido como uma ameaça.
Como síntese, podemos dizer que hoje deparamo-nos com um estranho paradoxo: vivemos numa sociedade decididamente subjetivista, mas com sujeitos débeis; fortemente individualista, mas com pouca força de afirmação individual; uma sociedade egoísta, mas composta por egos frágeis.
Mas ainda não é tarde para mudarmos de sentido, desde que tomemos consciência desta situação. É urgente reconhecer que o outro não representa um obstáculo ao nosso bem-estar, mas uma condição essencial para a nossa humanidade.
«Ninguém deve jamais ameaçar a existência do outro. É dever de todos os países apoiar a causa da paz, iniciando caminhos de reconciliação e promovendo soluções que garantam segurança e dignidade para todos», afirmou no passado sábado, o Papa Leão XIV, no final da audiência jubilar. Ninguém cresce, ninguém se realiza plenamente sem o encontro, por vezes cansativo, mas sempre transformador, com o que é diferente de si mesmo. São necessários: diálogo, escuta e acolhimento.
«Voltemos a construir pontes, onde hoje há muros. Abramos portas, liguemos mundos e haverá esperança», disse ainda o Papa. Sem dúvida que a relação com o outro envolve sempre um risco.
É, por isso, necessário empenhar-se ativamente na promoção de uma nova cultura de convivência. Não se trata simplesmente de tolerância, mas de hospitalidade mútua, capaz de gerar laços. E deve ser cultivada na família e na escola, no trabalho e no lazer, sempre e em qualquer lugar.
É essencial reconhecer que o mundo não nos pertence mas é um bem comum. Perceber que somos relação. Compreender que a liberdade não consiste em fazer o que se quer, mas em saber partilhar com os outros.