Ler um livro é profundamente humano. Se uma criança nunca pegar num livro, nunca aprenderá a ler como aprende a andar porque não é uma coisa natural ao nosso corpo e cérebro.
Muitas pessoas pensam ainda que ler é uma questão de gosto, mas quem se habitua a ler sabe que é uma questão de treino. O problema é mais de vontade própria porque ler exige ao nosso cérebro o esforço de pensar e nem sempre as pessoas estão para isso, ou têm condições para isso. Mas valerá a pena insistir?
No fim‑de‑semana passado fui à Feira do Livro em Lisboa e vi muita gente a contemplar e comprar livros. Questionei-me se, no meio da multidão, a compra de um livro acontecia por influência do ambiente ou com a intenção genuína de ler. Porém, sabendo quão bem faz ao nosso cérebro ler, diria que não importa a motivação. A intenção que pode levar à acção já é um pouco de transformação do humano em termos de profundidade. Pois, ler é profundamente humano porque torna o humano mais profundo.
O acto de ler impele-nos, naturalmente, ao acto de pensar e questionar o mundo à nossa volta. Ler não nos torna críticos de tudo e mais alguma coisa, mas faz-nos evoluir no pensamento crítico. Temo que as pessoas confundam pensamento crítico com pensamento negativo. Não é bem assim. Pensar criticamente é desafiar o modo como que se pensa, ou o modo como alguém pensa, com uma simples questão: será?
Habitualmente, as pessoas que têm menos sensibilidade para as questões espirituais pensam que os crentes numa religião questionam pouco a sua fé e acreditam em algo sem terem razões materiais ou filosóficas para isso. Pensam que somos dogmáticos enquanto eles possuem o pensamento livre. Viram-se para nós com a suposta sabedoria dos filósofos ateus que leram e assinalam a baixa cultura daqueles que apenas lêem um só livro: a Bíblia. Porém, quem se identifica com quem não acredita em Deus e com a opinião sobre o dogmatismo daqueles que acreditam, não está a ser dogmático na crença de que uma pessoa com fé não tem pensamento crítico em relação ao que acredita? Terá realmente um pensamento livre ao recusar conhecer em profundidade os escritos de espiritualidade que se encontram, não só na Bíblia-Biblioteca, mas nos livros de Mestres da Espiritualidade? Ao contrário do que os ateus acreditam, quem tem fé acorda muitas vezes (ou mesmo diariamente) sem fé. A fé é um "sim" dado todos os dias. E os livros que nos ajudam a meditar pela manhã são um sinal da necessidade que o crente tem de alimentar continuamente a sua fé através do pensamento crítico.
Nem todas as pessoas têm a possibilidade de comprar um livro (mesmo a preço de Feira), mas essa é a razão de haverem Bibliotecas. São inúmeras as histórias de jornalistas e escritores de sucesso associadas a uma Biblioteca. Porém, reconheço o valor de construirmos a nossa própria biblioteca e, nesse sentido: parabéns a iniciativas como a Vinted que além de roupa, estimulam a compra de livros em segunda mão a preços francamente acessíveis. Ficam a saber.
A nossa humanidade está intrinsecamente ligada ao que lemos por ser um modo de estender o horizonte do conhecimento e experiência de vida pelo tempo e pelo espaço, assim como ir para além do tempo e do espaço na direcção do transcendente. Ler expande a nossa realidade através da imaginação, levando-nos a materializar sonhos impossíveis com palavras que nos tocam e tocarão pelas gerações. Se acolhesses a ideia de que ler te torna um pouco melhor como humano, não o farias todos os dias?