Não é a guerra em si que escandaliza
Não é a guerra em si que escandaliza. A guerra foi sempre a expressão máxima da violência política, do fim do diálogo, do fim da diplomacia. Não, o que realmente escandaliza é o silêncio que a rodeia. A indiferença calculada e fria.
Durante anos, a humanidade clama por uma solução pacífica para dois povos vizinhos. Agora, a humanidade clama por uma solução humana para a inconcebível tragédia de dois povos em sofrimento. Dois povos tocados pelo absurdo da violência que os mata à vinte meses e turba a vida daqueles que aguardam o regresso dos reféns e se vivos ou mortos.
Em Gaza, o massacre continua e parece impossível travá-lo. A morte de seres humanos indefesos, desamparados e frágeis causa tanto sofrimento porque poderia e pode ser evitada.
Em Gaza, o que se passa diante dos nossos olhos não é apenas uma crise humanitária sem precedentes! É o fracasso de todo o sistema da ordem internacional nascida após a Segunda Guerra Mundial.
Bairros inteiros arrasados, hospitais atingidos, crianças soterradas sob os escombros… Já não se trata de danos colaterais, mas de uma agonia coletiva que assumiu as características de um crime moral.
Em Gaza, o que está a acontecer vai para além de qualquer justificação política ou militar. O uso desproporcional da força está diante dos olhos do mundo, e o número de vítimas civis atingiu uma dimensão intolerável para qualquer consciência humana.
De um lado, um Israel ferido, que perdeu a sua clareza estratégica e se agarra a uma superioridade militar que já não é sinónimo de dissuasão. Israel hoje é prisioneiro da sua própria força. Não se pode destruir ideologias com drones, nem ganhar guerras urbanas com aviões F-16.
Do outro, um mundo árabe fragmentado e ambíguo, incapaz de se opor à lógica destrutiva do Hamas. Este escolheu o caminho do martírio ideológico, levando uma população inteira ao suicídio político. Alimenta-se da dor, transforma-a em propaganda.
Os reféns israelitas que permanecem nas suas mãos, são vítimas silenciosas de um cinismo que não poupa vidas. A sua libertação deve ser uma prioridade humanitária, e não um detalhe na negociação.
E pelo meio, o colapso da diplomacia ocidental, com uma América vacilante e cada vez mais confusa, e uma Europa, que não está presente. E quando está, é irrelevante. Os seus líderes limitam-se a comentar, a financiar a ajuda humanitária sem sujar as mãos na política real.
Neste contexto de cinismo e desilusão, as palavras da Igreja ressoam com uma força inesperada. O Papa Leão XIV, falando com profética firmeza, denunciou a idolatria da força e apelou a uma paz justa, não imposta, mas construída no diálogo entre os povos.
«Num mundo dividido e ferido pelo ódio e pela guerra, somos chamados a semear a esperança e a construir a paz! A situação na Faixa de Gaza é cada vez mais preocupante e dolorosa. Renovo o meu sincero apelo para que seja permitida a entrada de ajuda humanitária digna e para que se ponha fim às hostilidades, cujo preço excruciante é pago pelas crianças, pelos idosos e pelos doentes.»
Talvez seja precisamente a Igreja, hoje, a representar um dos últimos espaços de autêntica mediação. Não por ambições políticas, mas por vocação universal. Não para oferecer soluções técnicas, mas para lembrar que a dignidade humana está antes de qualquer fronteira.