Cinco Anos Depois
No início de 2020, o mundo ficaria em suspensão com a emergência de uma pandemia que marcaria profundamente a nossa geração. Cinco anos depois, quando contemplo o actual ritmo de vida que temos, fico a pensar se já nos esquecemos das lições que fomos obrigados a aprender.
Estava num encontro de pais e reflectíamos sobre dívidas relacionais que poderíamos perdoar, ampliando o intuito da Mensagem do Dia Mundial da Paz do Papa Francisco aos aspectos da vida concreta e quotidiana. Um dos grupos de reflexão formados partilhava a sua experiência sobre a dívida relacional da presença em relação aos outros, e na partilha final com todos, uma mãe referia como se sentia ainda hoje um efeito particular da Covid: habituou-se a estar menos com os outros.
Durante estes cincos anos fui lendo, aqui e acolá, artigos que falavam sobre os efeitos "longos" da Covid-19. Isto é, das dificuldades físicas e cognitivas que as pessoas ainda sentem como resultado da pandemia. Porém, jamais me passaria pela cabeça que a falta de desejo de estar com os outros, por termos passado muito tempo connosco próprios, fosse um dos efeitos "longos" da Covid sentidos cinco anos depois. Isso é bom ou mau?
Antes da Covid-19, uma das dificuldades que sentia em mim, e nos outros, era uma certa resistência a estarmos a sós com os nossos pensamentos. A esta solitude, não solidão, fomos forçados quando nos confinaram às nossas casas para travar a propagação do coronavírus que enchia os hospitais de pacientes e as nossas caras de lágrimas por ver partir quem mais amávamos. De um certo ponto de vista, esta solitude era necessária e deu-nos a oportunidade de melhorar a nossa capacidade de encontrarmo-nos com os nossos pensamentos e, quem sabe, incrementar a sensibilidade à escuta da Voz de Deus que clama sempre a partir do nosso interior através de pensamentos. Porém, o efeito contrário também aconteceu.
Fechados e dentro de portas, fomos alimentando a inércia de não sair de casa com a sensação de podermos fazer tudo a partir do sofá usando um ecrã. Até as compras poderíamos fazer online e pedir a um serviço que as trouxesse a nossa casa. Tudo isso foi permitido pelo extraordinário avanço tecnológico. Habituámo-nos a estar bem connosco, e isso é bom, mas desabituámo-nos a deslocar para ir ter com o outro, sem ser numa hora de necessidade, mas pelo simples desejo de estarmos juntos. O que fazer?
Cinco anos depois da pandemia sentimos ainda alguns efeitos do défice relacional que fomos obrigados a contrair. E só quando nos proporcionam momentos para reflectirmos juntos sobre isso é que tomamos maior consciência da necessidade de saldar a dívida relacional que se contraiu na pandemia.
O primeiro passo parece-me ser — perdoarmo-nos a nós mesmos. O segundo passo poderia ser — acreditar que podemos sempre recomeçar. A vida humana é como a vida do planeta que nos deu origem: feita de ciclos. Porém, nenhum ciclo é igual ao outro. Uns são melhores, outros piores, mas sendo sempre diferentes, sabemos que a cada ciclo abre-se a esperança de uma nova oportunidade de recomeçar, evoluir e caminhar na direcção de uma vida com mais sentido e significado. Cada Novo Ano que começa é uma brisa fresca que renova a consciência da possibilidade que temos sempre ao nosso alcance de recomeçar. Nem que seja cinco anos depois.
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