Deus. Quem?

Crónicas 14 março 2024  •  Tempo de Leitura: 5

Há muito tempo que continuo a ler que o avanço da ciência retira espaço à Hipótese de Deus. Contrastei-me com a sua versão mais recente em "Why?" do filósofo Philip Goff que procura um propósito para o cosmos onde Deus não tem qualquer lugar. A minha questão de cada vez que leio afirmações relacionada com a tal Hipótese de Deus é: como entendem Aquele a quem se referem? Talvez se estejam a referir à Hipótese do Deus Errado.



O envolvimento de Deus na criação não acontece do mesmo modo que outros elementos estão envolvidos levando no universo à emergência de novos átomos, moléculas, organismos e até cultura. Uma visão de Deus que ajustava a órbita dos planetas como pensava Newton via-se derrotada quando a Relatividade de Einstein acabaria por resolver o problema. Encontrar explicações para fenómenos naturais não retira espaço a Deus, mas ajuda-nos a compreender melhor que as ideias que temos de Deus como alguém que preenche algum espaço do conhecimento, ainda não ocupado pela ciência, correspondem a uma visão errada de Deus.



A marca de Deus-Trindade deixada na criação é a relacionalidade. Quando os climatólogos prevêem um período de seca e elevadas temperaturas na Europa do Sul porque o derretimento do gelo na Gronelândia cria uma diferença de temperatura que favorece os ventos na direcção do Norte, vejo uma demonstração física de como tudo está interligado. Porém, isso revela ainda muito pouco de Deus. Deus não é um mistério que a ciência possua competência para resolver. Sem interagir com a teologia, qualquer conclusão estará provavelmente afectada por visões fantasiosas de Deus.



Aprendi muito com o Pde. Alfredo Dinis SJ (1952-2013) sobre esta relação entre o pensar científico e a experiência religiosa, e à questão sobre "quem é Deus?", ele respondia sempre com a sabedoria de um — «Não sei.» — É claro que ao partilhar esta resposta (ou escrever sobre ela) com algumas pessoas, recebi o retorno de saberem que Ele é Amor, Pai, Bondoso, etc. Eram todas características que faziam parte do modo como as pessoas experimentam o seu relacionamento com Deus, tendo o seu valor, mas não se referem ao Ser de Deus propriamente dito. Esse Ser permanece do outro lado da nuvem do desconhecido e ainda bem. A hipótese de Deus deveria converter-se em hipótese de relação com Deus.



A possibilidade de explicar o mundo é uma característica fundamental da ciência. Por que razão haveria Deus ficar de fora dessa explicação? Não é verdade que a teologia é uma "ciência humana", logo, "ciência" cuja etimologia da palavra é, simplesmente, conhecimento? Realmente, talvez ao longo do tempo tenhamos colado a palavra "ciência" demasiadamente às "ciências naturais", esquecendo que essa palavra são se restringe a essas. Mas o problema do estudo directo de Deus permanece.



Estudar Deus é impossível para qualquer ciência (natural ou humana), mas estudar o relacionamento com Deus é possível com a teologia e a vida. A consciência e os relacionamentos serão os nossos sensores para aferir como Deus nos inspira a ser e inferir como Ele poderá ser. Parece que estudar Deus se torna inglório por ficarmos sempre aquém da Realidade de Deus, mas o propósito disso acaba por se revelar ser o maior conhecimento da natureza profunda de nós próprios. Somos mais do que parecemos ser e podemo-nos tornar em algo mais do que somos. Ao explorarmos a hipótese de relacionamento com Deus acabamos por conhecer a hipótese do devir humano, como se à questão que dirigimos a Deus — «Quem és?» — fosse devolvida por Ele como — «Quando descobrires quem és, descobrirás quem Sou.» — Pois, talvez não nos conheçamos tanto quanto pensamos e como Deus gostaria que nos conhecêssemos. Talvez seja por isso que intuímos como Ele habita no nosso coração, de modo a que ao conhecer as razões do seu bater, descubramos os sinais que Ele nos dá da Sua presença e experimentemos um relacionamento pessoal e libertador que dá sentido e significado a tudo o que existe.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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