Saber → Sábio

Crónicas 28 setembro 2023  •  Tempo de Leitura: 5

«Um sábio quando se cala sabe o que está a dizer.» — dizia eu para mim mesmo quando era adolescente. Não tinha qualquer noção daquilo em que se tornaria o mundo no século XXI. Não podia imaginar o quanto aumentariam os fluxos de informação que nos permitem saber algo. Mas será que mais saber nos tornaria mais sábios?


Num mundo inundado de informação, o "saber algo" tornou-se facilmente acessível. Com um simples toque num dispositivo, podemos aceder a factos, estatísticas, histórias e teorias. O conhecimento democratizou-se no sentido de estar ao alcance de todos. Mas, enquanto possuir informação é valioso, não passa de um ponto de partida numa viagem mais profunda e significativa: a transição do simples "saber" ao tornar verdadeiramente "sábio".


O "saber" é a fundação da sabedoria, mas distingue-se desta. É a acumulação de factos e informações que formam a base da nossa compreensão do mundo. Desde os primeiros anos de escola que somos ensinados a valorizar o conhecimento. Algo que se manifesta na necessidade de memorizar certas coisas. Daí a razão de sermos avaliados pela nossa capacidade de reter e regurgitar informações. Aqueles que o fazem com sucesso são frequentemente elogiados e recompensados. «Tem memória de elefante.» — dizem os outros. No entanto, o "saber" por si só é estático. É como ter uma biblioteca repleta de livros que nunca são lidos ou aplicados na vida real.


A verdadeira magia acontece quando começamos a aplicar, questionar e refletir sobre o que sabemos. É aqui que entra a sabedoria. A sabedoria não é apenas a posse de conhecimento, mas a capacidade de usá-lo de forma perspicaz e eficaz. Um sábio não é alguém que sabe muitos factos, mas alguém que entende profundamente a natureza transitória e relacional da vida, aplicando o seu conhecimento de formas que beneficiem não só a si mesmo, mas também os outros.


Ser sábio implica uma profunda introspecção e autoconhecimento. Não tanto do sentido de nos voltarmos para nós próprios, isolados de tudo o resto, mas numa maior consciência daquilo que pensamos. Enquanto o conhecimento pode ser adquirido através do estudo da informação que temos à nossa mão, a sabedoria muitas vezes vem através da experiência e da reflexão. É o fruto de anos de observação, cometer erros, aprender com eles e crescer com isso. A sabedoria é muitas vezes associada à maturidade, não necessariamente em termos de idade, mas de compreensão e desenvolvimento do sentido do discernimento.


Além disso, enquanto o conhecimento é muitas vezes focado no exterior – no mundo ao nosso redor – a sabedoria volta-se para interior, para o mundo dentro de nós. Um sábio procura entender não só o mundo, mas também a si mesmo. Ele reconhece as suas próprias falhas e limitações e está constantemente em busca de crescimento de modo a pensar melhor, usando as suas imperfeições para desenvolver a sua humildade intelectual.


Outra distinção crucial entre o "saber" e ser "sábio" é a forma como cada um se relaciona com os outros. O conhecimento pode ser usado para impressionar, dominar ou até mesmo intimidar os outros. A sabedoria, por outro lado, é usada para orientar, ajudar e inspirar. Um sábio reconhece que o verdadeiro valor do conhecimento não está em guardá-lo para si mesmo, mas em partilhá-lo com os outros de forma transformativa e positiva.


Na viagem do "saber" ao "sábio" percorremos um caminho de transformação. Começa com a aquisição de informação e termina com a compreensão profunda daquilo que conhecemos e com a aplicação desse conhecimento na vida real. É uma viagem que requer humildade, paciência e uma vontade constante de estar sempre a aprender e a amadurecer.


No mundo onde a informação é abundante, mas a verdadeira compreensão é rara, nunca foi tão importante fazer essa transição como hoje. Pois, enquanto o "saber" pode fornecer-nos as ferramentas para navegar no mundo, é a sabedoria que nos dá a capacidade de o fazer com propósito, compaixão e a profunda gratidão pela vida que nos é dada.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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