Ainda «lavamos as mãos»

Crónicas 12 abril 2017  •  Tempo de Leitura: 4

Todos os anos que ouço a leitura de Domingo de Ramos fico a pensar no diálogo de Jesus com Pôncio Pilatos. Assalta-me uma curiosidade imensa do que terá sido aquela conversa.

O nome Pôncio significa "ponte" e Pilatos vem de "pílum", a terrível arma romana, espécie de dardo pesado. Nome contraditório pois. Se por um lado parece querer unir margens diferentes, por outro representa a autoridade com violência. Não me quero alongar na figura deste governador. Deixo apenas algumas notas. Pilatos entrou por volta do ano 26 em Jerusalém, e desde sempre tentou, através de alguma violência, impor a sua autoridade e assim agradar a Roma. Buscava um lugar melhor na capital do império. No entanto, no julgamento de Jesus, era um homem fragilizado. O seu "lavar as mãos", que apenas vem relatado em Mateus, faz-nos entender que para além de tentar negar a responsabilidade que tem na morte de Jesus, pretende não ter mais nenhum problema com os judeus e assim evitar uma reprensão de Roma que podia passar pela perda do posto de governador.

Na realidade a posição de Pilatos é muito débil. Por isso é que aquele diálogo com Jesus terá sido interessante. Vemos pelos relatos evangélicos que ele não viu mal algum em Jesus. Sabe que, é acima de tudo, por causa da inveja dos sacerdotes judeus que Jesus está a ser julgado. Percebe que Cristo não só não é uma ameaça ao império, como apresenta-se só e fragilizado. Aliás, dá para perceber que ficou perturbado quando Jesus lhe falou em verdade. Entendeu que tinha que condenar um inocente para proteger a sua carreira pessoal.

O lavar as mãos acaba por ser um gesto de indiferença. Um gesto de quem tem medo de enfrentar a verdade e as suas consequências. Se libertasse Jesus, iria ter tumultos e perderia o seu posto. Então obedece às massas que exigem a libertação de Barrabás e a condenação do Servo Justo…

E o que se passa connosco hoje? Quando é que fugimos às nossas responsabilidades? Quando é que somos indiferentes?

Quando não amamos a Deus e ao próximo como a nós mesmos. Quando não testemunhamos com a vida o que acreditamos. Quando não olhamos para os outros além do nosso "umbigo". Quando não fazemos "pontes", mas "muros". Quando não administramos bem o tempo, os bens, os dons e talentos. Quando fingimos não ver o pobre, o sem-abrigo que está na entrada do metro, da igreja, na "arcada" do nosso prédio. Quando encontramos "mil e uma" justificação para não colaborarmos com alguma instituição de solidariedade. Quando nos julgamos donos da Igreja e das igrejas, das suas instituições de solidariedade social e paroquial. Quando nos achamos senhores da Verdade e os outros são todos uma "cambada de analfabetos". Quando estamos "cheios de nós" no bem que fazemos. Quando não obedecemos à Palavra de Deus que é Jesus e não os nossos egos. Quando não rezamos por nós e pelos outros. Quando não nos empenhamos a sério nas diversas atividades em que estamos envolvidos no mundo, seja a igreja, seja o trabalho e a família. Quando não nos comprometemos a sério nos nossos relacionamentos afetivos…

Votos de boa continuação nesta Semana Santa…

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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