Organizar a esperança!

Crónicas 18 outubro 2022  •  Tempo de Leitura: 3

Ontem celebramos o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza e dos Sem Abrigo. Como é meu hábito e por várias razões, procuro participar na eucaristia que a Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa promove.

 

Nesta celebração da memória fazem-se presentes os nomes e as vidas daqueles que, pelas circunstâncias de pobreza material familiar, morreram sozinhos, na cidade de Lisboa, cujo corpo é sepultado pela Santa Casa e acompanhado pelos irmãos da Irmandade.

 

Num momento após a Oração dos Fiéis, o Provedor, acompanhado de mais dois irmãos, em profundo silêncio, foram dizendo os nomes, um a um: Maria, Paulo, Amílcar, Laerthes, Flora, ou "desconhecido de sexo masculino", "nado morto de sexo feminino"…

 

É um silêncio que dói, magoa. Sentimos uma impotência tamanha. Um eco que ressoa até às nossas entranhas…

 

Naqueles minutos longos, este último ano foram 207 funerais e ninguém é esquecido, mesmo os sem nome, procurei recordar o poema de Primo Levi:

 

“Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar

Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.

Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.”


in: "Se isto é um homem" 

 

Madre Teresa de Calcutá dizia que, "quando encontrava um homem com fome, dava-lhe de comer, saciava a sua fome mas, quando encontrava um homem sozinho, a sua pobreza era muito maior". Aliás, ela a própria sentenciara, noutra ocasião: “Não ser desejado, não ser amado, não ser cuidado por alguém, ser esquecido por todos, penso que é uma fome maior, uma pobreza maior do que a pessoa que não tem nada para comer”.

 

Por isso, como nos disse D. Tonino Bello, "não podemos apenas esperar, temos que organizar a esperança". Se nossa esperança não se traduzir em escolhas concretas, em gestos de atenção, justiça e solidariedade, os sofrimentos dos pobres não serão aliviados. Não converteremos a economia do desperdício que os obriga a viver à margem. A sua esperança não voltará a florescer…

 

Organizar a esperança!

 

Traduzindo-a em vida concreta todos os dias, nas relações humanas, no compromisso social e político. Isso faz-me pensar no trabalho que tantos cristãos fazem com as obras de caridade… As obras de misericórdia, como esta de sepultar os mortos…

 

Esta é a dinâmica que a Igreja nos pede hoje. Não tenho dúvidas!

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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