Flop

Crónicas 16 junho 2022  •  Tempo de Leitura: 6

É aquela sensação que temos quando todos admiram o que fazemos no momento em que mais sentimos as nossas limitações. É aquela sensação de quando as coisas não resultam como se desejava enquanto eram preparadas. Flop é a palavra inglesa para fiasco ou fracasso e que muitos adoptaram pelas versões na nossa língua serem duras demais de aceitar quando nos sentimos assim. Ou será tudo uma ilusão?

Até agora, em todas ou quase todas as COPs dedicadas às alterações climáticas, a sensação final, ou um ano depois, é a de serem um verdadeiro flop. Por mais que nos esforcemos por esclarecer as pessoas da necessidade de mudar os estilos de vida, ainda que o façam, seria preciso que as grandes empresas e nações o fizessem para produzir algum efeito. Mas neste caso, o sentimento de fracasso está fora de nós, pelo que parece afectar-nos pouco se estivermos pouco envolvidos. Como fazer quando o sentimento de flop está dentro de nós e nos envolve intensamente?

Se algo nos corre bem e mesmo assim sentimos ser um flop, talvez seja uma manifestação das nossas inseguranças. Receamos ser ridicularizados no futuro. Logo, pensar que somos um flop parece servir de válvula de escape para sabermos lidar com os fracassos. A questão que se coloca é: que barreiras estaremos a colocar a nós próprios quando pensamos o que não somos ou desejamos ser? Existem muitos flops na vida e alguns podem acontecer-nos, mas isso não significa que somos um flop. Pelo contrário, significa que somos humanos.

A imperfeição faz parte do nosso modo de ser. Só o perfeccionista experimenta ser um flop. O “imperfeccionista” reconhece que a evolução das coisas acontece através das imperfeições. Essas estimulam a nossa criatividade relativa ao modo de superar as dificuldades. Se reflectíssemos um pouco mais sobre a nossa pessoa, talvez aprendêssemos mais sobre o que “vamos sendo” porque “ser”, na realidade, é “tornar-se”. Isto é, nós estamos sempre a mudar todos os dias com as nossas experiências, sobretudo as que se revelam como flops. Quem sabe pouco de si, vive mais stressado com a possibilidade dos flops.
Depois, a sensação de sermos um flop acontece muito por comparação com os outros. Ao admirar o sucesso dos outros, ainda que tenhamos sucesso, o deles será sempre maior do que o nosso. E, frequentemente, pensamos — «se as pessoas soubessem o que sou realmente…» — mas creio que isso seja uma ilusão. A ilusão da ressaca após um momento criativo.
Recentemente estava a tentar procurar a natureza física da boa relação entre uma função matemática e pontos obtidos experimentalmente. Após alguns meses de matutar sobre o assunto, um dia, talvez por um momento inesperado de inspiração, lá consegui fazer a ligação que tanto procurava. Foi um momento eufórico, mas o raciocínio era tão simples que dias depois comecei a questionar se o que havia feito teria algum valor ou não. Só quando partilhei com os outros fiquei a saber que não chega ter um momento de inspiração. É preciso deixar que o tempo leve ao desabrochar da ideia e ver que eco produz nos outros. Só nos relacionamentos podemos compreender melhor o valor daquilo que fazemos. Hoje percebo que depois de cruzar a meta, não são as medalhas que fazem de nós vencedores, mas a capacidade de estar gratos pelo resultado e saber que os momentos criativos podem dar ressaca, mas não se esgotam.

Para aprendermos a lidar com a sensação de sermos um flop é preciso perdoarmo-nos muitas vezes. Saber que não vale a pena fazer da ideia de sermos um flop uma falsa segurança que nos livra da experiência quando ela realmente acontecer. Se um dia alguém nos acusar de sermos um flop por isto, aquilo e aqueloutro, perdoemos o flop do outro de nos ter acusado de algo que se aplica às coisas e acontecimentos, mas não define qualquer pessoa.

Todos podemos ser muito mais do que realmente somos. É por essa razão que estamos sempre a evoluir e a amadurecer. Aliás, o sofrimento que os flops reais nos proporcionam são o húmus onde cresce a flor única que o génio humano de cada um representa para a consciência do mundo. Por outro lado, quando sentimos que fracassámos — o evento por nós organizado não correu tão bem; os formandos não aprenderam como esperava nem reagiram ao que procurei ensinar-lhes; ninguém deu retorno ao que apresentei; ninguém leu o que escrevi e partilhei; etc. — vale sempre a pena regressar à fatídica pergunta: qual a pior coisa que pode acontecer?Basta pensar em quem nos ama e perceber que nada é mais importante do que amar e ser amado.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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