A vida nos Seminários

Crónicas 9 novembro 2021  •  Tempo de Leitura: 6

Não pretendia escrever sobre os seminários, porque como fui seminarista não quero ser parcial na minha reflexão. Tenho muito boa memória desses anos e estou eternamente agradecido a essa segunda família que tive e tenho. No entanto,  a morte aos 49 anos de idade de um antigo colega de faculdade, entretanto ordenado sacerdote, obriga-me a fazê-lo. Porque apesar da doença que ele carregou como sua cruz, sabia-o um homem feliz e realizado.

 

A complexidade da vida hoje, as mudanças que afetam cada vez mais a Igreja e o mundo, ou mesmo, a Igreja no mundo, a figura do sacerdote e as formas de exercer o ministério exigem que a formação seja intensa e profunda, que alcance todos os níveis, espiritual, humano, cultural, social e psicológico do candidato ao sacerdócio. Só assim se pode esperar que quem recebe o sacramento da ordem se caracterize por uma estrutura humana que lhe permite viver o ministério sem ser por ele esmagado.

 

A instituição dos seminários surge com o Concílio de Trento, com o decreto Cum adolescum aetas de 15 de julho de 1563, e respondeu à necessidade de preparar adequadamente os candidatos ao sacerdócio ministerial, formando-os, no estudo e na vida espiritual, para se tornarem pastores do rebanho.

 

Renovou decididamente a vida pastoral das dioceses, muitas vezes reduzida a uma tênue luz, obrigando párocos e bispos a permanecerem nas suas paróquias e dioceses de residência e das quais eram titulares, instituindo visitas pastorais periódicas, consolidando e mais frequentemente refundando a experiência cristã das suas comunidades.

 

Os padres tridentinos decidiram pela obrigação dos párocos de pregar pelo menos aos domingos e feriados, dada a quase total falta de atenção à pregação, muitas vezes delegada às ordens religiosas, e à catequese. Muitos padres viviam em concubinato e esbanjavam rendimentos eclesiásticos e benefícios em favor de suas famílias clandestinas. A moralidade, a espiritualidade, a cultura dos clérigos eram mínimas.

 

No entanto, dizem os entendidos, o modelo tridentino funcionou apenas até às décadas de 1950/60. As causas da crise são: o processo de secularização e descristianização; a mudança antropológica nos costumes e estilos de vida dos jovens a partir dos anos 60; as transformações sociais… As vocações diminuíram muito. O padre deixou de ser um modelo social a seguir

 

A montante de tudo isso está a questão: que tipo de padre precisamos hoje? 

 

Se precisamos de alguém capaz do dom da palavra, isto é, com uma boa cultura geral, conhecimento da história do Cristianismo, da história da Igreja, do pensamento teológico, da exegese e da teologia bíblica, então o Seminário parece inútil porque existem os Institutos Teológicos e as Faculdades de Teologia para essa formação.

 

Se precisamos de uma pessoa equilibrada psíquica, afetiva e emocionalmente, também há quem defenda que o Seminário não é o lugar certo para construir essa personalidade. E apontam, de uma forma geral para duas razões:

 

- A primeira é que se trata de um ambiente artificial, separado dos lugares educacionais reais, principalmente da família, da rede de amizades, da vida relacional real. Dizem que o seminário não pode ser um convento.

- A segunda razão diz respeito à questão do celibato, ou seja, da educação para a afetividade e a sexualidade. A sexualidade é uma componente estrutural da condição humana. A sua vivência pode ser suspensa, sublimada, adiada, rejeitada por motivo maior. Mas, para chegar a essa condição, é necessária uma grande capacidade de equilíbrio psíquico geral.

 

Para a maioria das pessoas, a renúncia, mesmo quando praticada voluntariamente, produz distorções emocionais, afetivas, desequilíbrios e solidão insuportável. Portanto, deve ser uma escolha livre e reversível. Concluem que se pode ser padre e bispo com família, como se observa em muitas outras experiências cristãs protestantes e ortodoxas.

 

Podemos concordar ou não com estas reflexões, mas uma coisa é certa: algo tem que mudar.

 

Tal como o padre Tomás, que hoje vai a sepultar na sua terra natal, tive a sorte de frequentar o seminário de uma congregação religiosa. Tanto os Dehonianos como os Monfortinos, preocupam-se que a formação dos seus jovens candidatos à vida consagrada e sacerdotal não seja feita apenas no interior do seminário. Ambas proporcionam aos seus formandos a experiência na vida das comunidades paroquiais e missionárias. 

 

Quando apenas se cultivam as faculdades intelectuais, a capacidade relacional atrofia-se. É uma prerrogativa que permite acolher o outro sem confusão, sempre com respeito e escuta. Se é uma constatação real em qualquer realidade da vida humana, na sacerdotal é bem demarcada.

 

Rezemos por muitas e santas vocações sacerdotais.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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