Oportunidade

Crónicas 7 outubro 2021  •  Tempo de Leitura: 5

A mente bloqueia-se muitas vezes com o que não compreendemos e cada pessoa reage de maneira diferente. Uns irritam-se, outros choram, e há quem fique indiferente e passe à frente. Poucos são os que se dão conta daquilo que um bloqueio mental pode representar para o nosso crescimento pessoal: uma oportunidade.

Quantas vezes se gera trânsito numa cidade por causa de um bloqueio? Pode ser porque uma via está obstruída e todos os que se apercebem disso apenas perto da obstrução, podem não conseguir mudar de faixa porque muitos carros continuam a passar. Porém, esses carros que passam, se não derem espaço para que os carros da via obstruída possam passar, o trânsito acumula atrás do ponto de obstrução, inclusive na faixa que está livre. A melhor solução para maximizar o fluir dos carros em ambas as vias seria dar uma oportunidade para que um carro da via obstruída passasse, seguido de outro da via desobstruída, cada um dando a oportunidade ao outro de passarem, intercalados.

Penso nas oportunidades que os bloqueios nos dão de crescermos na generosidade, na paciência e resiliência perante as dificuldades. Mas sabemos que não é fácil. É preciso o apoio daqueles que estão à nossa volta e, por vezes, da sua generosidade, paciência e resiliência. Quantos pais não experimentam isto quando procuram dar algum apoio aos seus filhos na aprendizagem de uma ou outra matéria. Quantos filhos não experimentam isto quando procuram dar algum apoio aos seus pais, já idosos e que precisam de aprender a mexer numa placa de indução por ser mais seguro. Todas as idades vivem os seus bloqueios e com esses, a oportunidade de aprender coisas novas.

Um dos bloqueios mais comuns são as encruzilhadas quando desconhecemos ou esquecemos o caminho. Lembro-me da cena do Senhor dos Anéis quando a Irmandade do Anel nas Minas de Moria encontram uma dessas encruzilhadas e Gandalf não se lembra do caminho certo. Após um longo tempo de espera exclama — «Ah! É por aqui.» — e a razão estava no ar que era mais fresco, ou seja, nos sinais. Os sinais representam uma oportunidade para desbloquear decisões a tomar, mas exigem a nossa sensibilidade e atenção, que estão a tornar-se cada vez mais raras neste mundo em aceleração.
A palavra inglesa que muitas vezes traduzimos para português como oportunidade é chance e sempre achei curioso como mudar nessa palavra uma letra revela outra relacionada com a original — change / mudança. Pois, cada oportunidade representa sempre uma mudança para melhor, embora saibamos como mudar não está isento de dor. Custa sempre mudar, mas basta pensarmos que aprendemos a adaptar. E quem se adapta, sobrevive. E neste momento muitos lembram-se da ligação entre a crise e oportunidade associada à lingua chinesa, mas enganam-se.
Crise em chinês escreve-se 危機 (Wéijī) e tem-se falado muito sobre esta junção de dois caracteres em que o primeiro quer dizer “perigo” e o segundo “oportunidade”, mas é falso. O erro provém de uma interpretação errada por parte dos americanos pelo facto da palavra “oportunidade” escrever-se como 機會 (Jīhuì), em que o primeiro caractere é comum a crise. Logo, o que quer dizer esse caractere comum? Isolado quer dizer algo semelhante a ”ponto de mudança”. Por isso, como as crises acontecem sempre em pontos de viragem da nossa história, encontram algo em comum com a oportunidade por essas representarem os espaços e momentos certos para mudar.

Há quem ser oportuno e quem seja oportunista. Os primeiros criam oportunidades e os segundos retiram-nas. 
Há quem confunda possibilidade com oportunidade, mas são diferentes. A primeira representa algo que pode acontecer e a segunda algo que podemos fazer acontecer, se aproveitarmos.
Há quem reconheça na oportunidade a vivência permanente nos momentos certos, em vez que viver atrás dos momentos há espera da sua oportunidade e que não chega por estarmos desatentos.

Quando me sentei para escrever o que te ofereço com estas palavras sentia-me profundamente bloqueado. Não fazia a mínima ideia sobre o que escrever. Por isso, pensei nas experiências pessoais do dia e lembrei-me de uma com a minha filha. Essa experiência foi para ela uma oportunidade de desbloquear a incompreensão e, para mim, uma oportunidade de fortalecer a nossa relação. Cada experiência quotidiana é uma fonte de inspiração quando reflectimos ao final do dia. É a vida que nos mais simples e inesperados momentos oferece uma oportunidade de estarmos profundamente gratos por tudo o que nos é dado. Sobretudo, grato por cada manhã que abre o dia às oportunidades que os relacionamentos com tudo e com todos representam para o que em nós deve mudar e crescer.


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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