Acreditar

Crónicas 29 julho 2021  •  Tempo de Leitura: 6

Muitos têm medo daquilo que uma nova vacina pode fazer ao nosso corpo. Alguns usam o medo para fazer valer a sua teoria da conspiração em relação à cabala que consideram ser esta pandemia, bem como o valor que as vacinas representam para a imunização de grupo (ou seja, pouco). E muitos, curiosamente, encontram-se nos meios religiosos que habitamos. O que sinto em relação a estas falsas certezas, sem qualquer fundamento, é a dificuldade em dar o passo de acreditar.

Acreditar em quem? Nos médicos, nos cientistas, nos políticos? Nem por isso. Acreditar em Deus. Não foi Deus que nos deu a inteligência para sermos co-criadores com Ele? Não é Ele que nos inspira e ilumina nos momentos mais decisivos e incertos da nossa vida? Quem não acredita no esforço de milhares de cientistas em todo o mundo, e profissionais de saúde, que, ininterruptamente, num esforço sem precedentes na história da ciência trabalharam para encontrar a solução e podermos saírmos desta pandemia, escolhe a via da desconfiança. E escolhe, sobretudo, estar do lado dos conspiradores, sei se aperceber que demonstra não acreditar em Deus.

Ouvimos médicos desesperados a pedir às pessoas para respeitarem as recomendações da Direcção Geral da Saúde quando a situação se tornou mais crítica em Portugal. Vi e ouvi uma amiga médica chorar de exaustão e por não poder fazer mais por aqueles que mais sofriam com esta doença, e ver-se, por isso, privada de poder visitar a família. Li o testemunho de um capelão de hospital com duras palavras em relação a outros sacerdotes que cederam às teorias da conspiração de quem acha que não há qualquer pandemia. E, depois de inúmeras vozes por todo o mundo apelarem à vacina como Bem da Humanidade, incluindo Mohammad Yunus, prémio Nobel da Paz, e de termos encontrado, não uma, mas várias vacinas para nos ajudar a rever as faces dos outros, há quem hesite e desacredite na vacina. A sério.

Em 15 de Abril passado, um grupo de cientistas publicou o resultado de um estudo longo e detalhado que demonstrou como as vacinas mRNA da COVID diminuem, dramaticamente, o número de casos, hospitalizações e mortes. A diminuição drástica não implica, necessariamente, a eliminação desses efeitos. Mas o receio de muitos é o de serem infectados apesar de estarem vacinados e poderem contagiar outros. Porém, a análise do que aconteceu aos profissionais de saúde que foram vacinados à mais tempo demonstrou que esse risco de infecção reduz-se de 80 a 90% quando comparado com o casos das pessoas não vacinadas.
O jornalista Derek Thompson do The Atlantic tentou perceber as motivações das pessoas que diziam NÃO à vacina. E os motivos são, por exemplo, a confiança que têm no seu sistema imunitário que, tendo sido contagiado e superado a doença, produziu os anti-corpos necessários para lidar com o próximo contágio, logo, para quê levar a vacina? Outros preocupam-se com os efeitos de longo prazo da vacina, fazendo-me lembrar os 16% de pessoas que só tarde acolhem uma inovação na Lei da Difusão da Inovação de Everett Rogers. Outras ainda, acham que é mais provável morrer num acidente de viação do que morrerem de COVID, logo, para quê tomar a vacina? E outros recusam como forma de protesto pelos direitos que sentem terem-lhe sido retirados pelos políticos. Derek percebeu que as pessoas pensam que a vacina é só para os velhos e vulneráveis, e que a rapidez é de desconfiar preferindo acreditar mais no sistema imunitário de cada um do que nas Big Pharma. Acreditar na vacina não é acreditar nas Big Pharma ou nas ideias mainstreamque se propagam pelos meios de comunicação. Acreditar na vacina é acreditar na inteligência humana. Aquela que eu acredito ter sido uma grande inspiração de Deus.

Para os hesitantes, acreditar na vacina é não acreditar na força que o nosso sistema imunitário tem de, por si próprio, superar toda e qualquer doença. Mas não preciso acreditar que somos limitados, quando, somos. Precisamos de acreditar, sim, na criatividade, génio e inspiração para superar as nossas limitações e fazer delas oportunidades de co-criar com Deus, como no caso desta vacina.

É uma vontade própria, reconheço, mas a todos os que me dizem estar contra a vacina sinto, interiormente, o impulso a dizer-lhes «arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15). O Evangelho que inspirou S. João Paulo II a repetir inúmeras vezes desde 1978 — «Não tenhais medo!» O Evangelho que nos revela como Jesus foi um “engenheiro” da vida e das coisas que fazem parte da nossa vida como as mesas que um dia se converteram em altares. O engenho humano é um dom de Deus, e as vacinas são uma demonstração disso, salvando vidas, quer acredites ou não.

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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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