Céu

Crónicas 27 agosto 2020  •  Tempo de Leitura: 6

O céu azul, límpido e que muda de cor ao longo do dia é uma oportunidade de contemplação de imensidão e evolução. Quando pensamos no céu como limite é como se quiséssemos tornar visível o infinito abstracto num finito concreto. Pois, quem se dirige para o céu sem parar por um tempo infinito só pára no limite do próprio universo.


O céu imprime a sua marca nas noções que temos de ilimitado, infinito, mas quando colocamos Deus no Céu, não é só a primeira letra que muda, mas talvez estejamos a colocar, injustamente, um limite a Deus. Ou, será a noção de Céu diferente da experiência que fazemos ao elevar o nosso olhar? Que noção temos de Céu?

 
A metáfora da natureza como um livro sugere Deus como o seu escritor. Também a Sagrada Escritura, apesar de ter sido escrita pelo ser humano, reconhecemos em cada passagem uma inspiração divina. Em 1615, Galileu escreveu uma carta à Sra. Christine de Lorraine, Grande-Duquesa da Toscania, onde diz ser — «claro (...) que a intenção do Espírito Santo é ensinar-nos como ir para o Céu, e não como vão os céus.» Por isso, há uma distinção entre o céu que contemplamos até ao horizonte do Céu onde “colocamos” Deus. Fico sempre intrigado quando uma pessoa olha para o céu físico como se se dirigisse a Deus. Pois, o Céu onde “colocamos” Deus não é mais do que todo o Espaço que não é espaço onde Deus habita e se faz presente. Se Deus está em ti, em mim, e presente em tudo e em todos, o que é o Céu senão tudo o que existe e está permeado da presença de Deus?

 
Quando rezamos o Pai Nosso «que estais nos céus» será que nos referimos aos céus de Galileu que podemos contemplar como azul durante o dia, e estrelado durante a noite? Uma amiga disse-me algo sobre isso e que fez, faz (e fará até que me convençam do contrário) sentido: os céus do Pai Nosso somos cada um de nós. Para mim faz sentido pensando que Deus está no coração de cada ser humano que O acolhe, fazendo dele um Céu. Neste sentido, olhar para o Céu seria o mesmo que olhar nos olhos do outro procurando entrar na sua intimidade entregando-lhe a minha através do meu olhar.

 
Mas quando leio os escritos de pessoas como Chiara Lubich que sentiam a presença de Deus sob cada coisa, fico ainda mais intrigado com a verdadeira dimensão do Céu. Dizia Chiara que 

«se os pinheiros reluziam dourados pelo sol, se os riachos desciam em pequenas cascatas a cintilar, se as margaridas, as outras flores e o céu estavam em festa devido ao verão, mais forte era a visão de um Sol que estava sob toda a criação. Eu via, de certo modo – creio – Deus que sustém, que governa todas as coisas. E Deus, sob as coisas, mostrava-nos tudo de um modo diferente de como as víamos; todas as coisas estavam ligadas entre si pelo amor; todas – por assim dizer – estavam enamoradas umas pelas outras. Por isso, se o riacho desaguava no lago, era por amor. Se um pinheiro se erguia ao lado de outro, era por amor. E a visão de Deus sob as coisas, que dava unidade à criação, era mais forte do que as próprias coisas. A unidade do todo era mais forte do que a distinção das coisas entre si.» (Chiara Lubich)

Fazer uma experiência da presença de Deus através da contemplação do mais pequeno detalhe no mundo natural que nos deslumbra não é, de certo modo, fazer uma experiência de Céu aqui na Terra? Nesse sentido, em vez de olhar para cima poderia olhar para baixo, para um lado e para o outro. Podia olhar, inclusivé, para uma pequena aranha a saltar da dobradiça de uma janela para a parede e soltar um grito de surpresa como se fosse uma oração de louvor a Deus pela Sua criação. Teria a aranha saltado por amor?

 
O Céu ultrapassa o espaço físico para nos convidar a mergulhar numa oração profunda a cada instante. O mundo não é Deus, mas nele encontramos um modo de Deus nos falar de amor e por amor, suscitando em nós um pensamento simples: «o Céu está onde o Amor estiver.» Em última análise, a relva que pisas com a planta dos teus pés nada é, mas se pisas por amor, o relacionamento que o pisar te leva a experimentar, uma ligação que vai para além de ti mesmo, pode fazer até de um simples pisar, um momento de louvor e viver do Céu.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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