Quarenta dias

Crónicas 24 março 2020  •  Tempo de Leitura: 4

Estamos a viver a Quaresma. E que Quaresma! Os sentimentos são diversos. Vão da simples indiferença, passam pelo medo, pelas atitudes de trabalho até quase ao pânico. Por enquanto, para muitos este vírus "passa ao lado" porque ainda não afetou ninguém conhecido ou amado. Para outros, porque já perderam alguém ou a simples liberdade de caminhar, sair, ir ao cinema ou ao restaurante, parece que tudo vai acabar…

 

Os cristãos dividem-se entre a defesa das medidas implementadas pelo governo e as autoridades locais, e a quase irritação por não haver lugar para a Eucaristia. Temo que muitos ainda vivem uma fé medieval, onde as pestes eram um castigo de Deus pelo nosso pecado e que só com missas, procissões, é que teriam fim. Ou seja, com tudo aquilo que fosse público, visível, social.

 

Quarenta dias foi Jesus tentado no deserto. Quarenta anos andou o "Povo Escolhido" a seguir Moisés pelo deserto e a fugir aos egípcios. Quarenta dias/anos de isolamento, de velamento. De fuga de multidões e "eventos" sociais.

 

«Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai qua está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa.» (Mt 6, 1-6.16-18)

 

Já esquecemos toda esta passagem do evangelista Mateus?(6, 1-6.16-18) Também já esquecemos a fuga de José e Maria, com o Menino, para o Egipto porque Herodes o queria matar?

 

Tenho acompanhado a situação italiana de perto, principalmente na Lombardia, a região mais sofrida e dizimada pelo covid-19. Transcrevo parte da mensagem do bispo de Bergamo a toda a sua diocese quando foram proibidas as celebrações comunitárias da fé:

 

«O sofrimento de não poder participar da celebração da Eucaristia, que permanece insubstituível, é consolado pela convicção da misericórdia de Deus pelo povo e, acima de tudo, pelos mais fracos e pela adoção mais convencida de um estilo eucarístico na nossa vida. A renúncia à celebração da Eucaristia comunitária não é um acatamento da lógica material ou simplesmente uma resposta às exigências públicas, esquecendo a fé: é a decisão de fazer da nossa fé a fonte de uma responsabilidade moral que, juntamente com muitos homens de boa vontade, queremos exercitar para que a esperança de passar neste teste se incarne em condições que a tornemos credíveis.» Francesco Beschi, Bispo de Bergamo

 

Ser cristão não é acreditar num "Deus mágico", mas um atuar na concretude da vida com a "sabedoria" de uma fé alimentada na Palavra de Deus que assumiu a condição humana. Seremos tanto mais credíveis, quanto mais soubermos ser solidários com os outros porque coerentes connosco e com a nossa fé.

 

Termino citando a homilia deste domingo de D. Francesco Beschi:

 

«Deus mostrou-nos seu rosto, que não é o de um Deus que castiga. Digo isto em nome da fé que nos une: o nosso Deus revelou-se nas palavras, na história, na pessoa, na morte e ressurreição de Jesus e é o rosto de uma infinita misericórdia.»

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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