Ceder

Crónicas 20 fevereiro 2020  •  Tempo de Leitura: 3

És parte de uma experiência social ou protagonista na sociedade? Foi esta a questão que me coloquei ao rever o filme ”A Rede Social” sobre a história do Facebook. O que se tornou viciante foi o facto desta rede social digital tocar no que nos é mais profundo: o sentido de relacionalidade. Todos estamos conectados. Mas quando vi o filme senti que redes sociais como o Facebook tornaram-se experiências sociais em que cedemos a nossa atenção para enriquecer alguém. Isso parece-me estar longe de ser protagonista social.

 

Ser protagonista na sociedade é procurar nos relacionamentos aprofundar o que tem valor. Um valor que não se pode confundir com a massa, mas onde cada pessoa é uma ponto fundamental do tecido social. 

 

As ligações que estabelecemos uns com os outros são fundamentais para o modo como a sociedade se desenvolve. Mas o que o Facebook como experiência social veio trazer, parece ser uma nova forma de isolamento. Na prática, quem se embrenha minutos, horas e dias na dinâmica digital, sem se dar conta disso, vive uma dormência relacional disfarçada pela conectividade online permanente. 

 

Parece que estamos mais próximos das pessoas ao partilharmos tudo e mais alguma coisa, mas acabamos por cair na armadilha da experiência social que captura a nossa atenção e gera em nós um apego do qual é difícil sair. O primeiro sintoma é se o leitor sentir que estou a exagerar. Mas eu padeço do mesmo mal e confesso.

 

Como não estou nas redes sociais, o modo que tenho de partilhar o que escrevo é através do WhatsApp. Porém, depois de ter partilhado dois a três artigos escritos sobre o tema da Eutanásia (que está na ordem do dia), alguém sai do grupo onde fiz estas partilhas. Pode ter sido casual, mas fez-me pensar se não estaria apegado e à espera da reacção dos outros aos escritos partilhados. No fundo, também eu estou apegado à validação daquilo que escrevo. Como posso falar de dormência relacional se também padeço do mesmo problema? Talvez por isso.

 

Beber vinho do Porto em demasia é grave para a saúde física. Beber dopamina pelas redes sociais e grupos WhatsApp em demasia é grave para a saúde mental e relacional. Tudo deve ser tomado com moderação. Pois, um pouco de vinho é digestivo. Logo, um pouco de redes sociais pode ser importante para mantermos alguns contactos. Mas existem chás que são, também, digestivos e, por analogia, alternativas reais para manter os contactos entre as pessoas (um telefonema, uma carta, um café…).

 

O que significa, então, ser protagonista na sociedade digital? Ter muitos seguidores ou ser testemunho dos valores? Quando vejo a tecnologia embrenhar-se tanto na nossa vida parece que ganha vida própria à custa da perda da nossa identidade. Talvez a solução passe por parar, pensar o que tem mais valor durante algum tempo, limpando o olhar para fazer crescer em nós a visão do todo e ceder ao mistério do contacto humano que nos deixa, muitas vezes, sem palavras ou comentários.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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