As Estações do Ano
Já não existem as estações do ano? Elas existem! Nós é que já não as vivemos... Abordo este questão porque numa pequena viagem pela Grande Lisboa, descobri que já estou no Natal. Pobre São Martinho que hoje celebramos...
Homero, falou-nos de 3 grandes tempos: a época do acordar, a época das colheitas e a época do repouso. O ciclo da vida do solo e do ser humano: semear, colher, repousar. Trabalho e repouso. Foi outro grego, no século I a.C., o astrónomo Sosígenes de Alexandria, que calculou com precisão as quatro estações que Júlio César, com o seu calendário, impôs ao mundo em 46 a.C..
O Sol marca quatro dias astronómicos: os dois solstícios, ou seja, o dia com mais luz, no início do verão, e o mais escuro, no início do inverno, e os dois equinócios, ou seja, os dois dias em que a luz e a escuridão são iguais, o início da primavera e do outono. As três estações baseavam-se nos efeitos terrestres, as quatro nas causas celestes. O tempo é marcado por esta relação entre o Universo e a Terra, uma relação entre as leis naturais e a vida humana. Uma relação que dá ritmo à nossa existência.
Uma relação ameaçada e posta em causa pela tecnologia. Estamos mal ligados à terra e ao céu. Se entramos num supermercado, percebemos de imediato que ali não existem estações do ano, e o nosso ritmo, o nosso relógio biológico está desregulado. Parece que estamos sempre com jet lag, independentemente do horário de verão ou de inverno.
Perdemos a noção do tempo cíclico e, consequentemente, a noção de que nós, tal como os campos, fomos feitos para semear, colher e descansar. A nossa produção constante esgota-nos, e a ansiedade com que vivemos consome-nos.
A desordem e ao caos são o resultado da suspensão desta lógica da vida. Na verdade, o trabalho humano imita a natureza não a reproduzindo, caso contrário, a fotocópia seria a arte suprema (e aqui recordo o aviso de São Carlos Acutis, para não sermos fotocópias), mas fazendo como a natureza faz. Quando Cristo precisa de explicar como o Pai cuida da humanidade, convida-nos a observar as flores silvestres: «Observem os lírios do campo, como crescem: não trabalham nem fiam. Mas eu vos digo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, quanto mais vestirás vós, homens de pouca fé?»
Perdemos a fé, não em Deus, mas na realidade. A realidade está ultrapassada, porque acreditamos mais nos ecrãs do que nas janelas, mais na luz artificial do que na luz natural. Numa cultura que esquece a harmonia entre o céu e a terra, o homem ilude-se acreditando ser o senhor da vida, ser a sua lei...
A Terra está inclinada cerca de 23° em relação à perpendicular do plano da sua órbita. Sem esta distorção, o dia seria sempre igual à noite e não haveria estações do ano. Numa linguagem cristã, esta inclinação indica também aquilo por que somos atraídos. A Terra é atraída para o Céu. Nós somos atraídos para a luz. Não para essas luzes de Natal, mas para a verdadeira Luz.