Até que ponto as redes sociais turvam o nosso olhar?

Crónicas 23 setembro 2025  •  Tempo de Leitura: 6

Preâmbulo: Esta minha partilha surge depois de uma aula dedicada ao uso dos smartphones na escola. Um pouco longa, mas creio ser importante.

 

Nos últimos anos, as redes sociais tornaram-se parte do quotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo. A forma como utilizamos estas plataformas, e especialmente o tempo que passamos nelas, escapa muitas vezes ao nosso controlo racional.

 

Por exemplo: acorda de manhã e, ainda antes de sair da cama, verifica as últimas notícias e abre as suas redes sociais; algo invulgar acontece durante o dia e o seu primeiro pensamento é pegar no telemóvel para partilhar o momento com outras pessoas; antes de dormir, faz uma última visualização para relaxar um pouco e depois apercebe-se que já passaram várias horas...

 

É recorrente dizer aos meus alunos que são uma Geração Instagramável, porque muito preocupados com fotos para publicar. Mas não são os únicos! Nos mais velhos é o Facebook, o X ou outras. As redes sociais estão a multiplicar-se e cada vez estão mais presentes nas nossas vidas.

 

Mas como é que isso afeta a nossa visão da realidade? A nossa forma de pensar e raciocinar?

 

Cada rede social tem a sua própria forma, mas o que todas as plataformas têm em comum é o nosso uso: todos utilizamos as redes para criar a nossa própria imagem no mundo digital, partilhando as nossas histórias de vida, as nossas opiniões...

 

Está comprovado que a grande maioria tende a apresentar a melhor imagem possível de si mesmo, ou aquela que deseja que os outros percebam num determinado momento. E não são apenas os jovens! Todos destacamos algumas características e omitimos outras, para obter consenso e aprovação dos nossos contatos.

 

É, portanto, uma visão filtrada do mundo. Não é segredo que as redes sociais distorcem a perceção da realidade, basta observar a enorme quantidade de filtros disponíveis para editar fotos e vídeos. Os mais utilizados são os que retocam as imagens, removendo imperfeições e realçando determinados pormenores.

 

E até se inventam imagens e narrativas. Um bom exemplo foi a publicação da imagem do Presidente Trump vestido de Papa. Recordam-se?

 

Mas a distorção das redes sociais não se limita à aparência exterior: os comportamentos e estilos de vida também são retratados de forma irreal.

 

O filtro, neste caso, somos nós mesmos, os utilizadores, que publicamos apenas os momentos mais positivos e emocionantes das nossas vidas, omitindo os momentos maus. Selecionamos apenas o que pode melhorar o nosso estatuto, gerar admiração e aprovação social e, tantas vezes, ganhar likes ou seguidores.

 

Mas qual pode ser o efeito de tudo isto? Estar constantemente inundado de positividade, sucesso e boa vida pode alimentar sentimentos de desconforto e solidão, criando uma pressão social que pode ser avassaladora para os mais vulneráveis.

 

Esta representação estimulante do estilo de vida positivo levou a um novo medo, conhecido pela sigla FOMO, ou Fear of Missing Out, Medo de Perder.

 

O FOMO é a tendência generalizada, sobretudo entre as gerações mais jovens, do medo de não estar presente, de perder momentos, atividades que os outros estão a desfrutar.

 

Isto cria uma distorção adicional no comportamento: as pessoas são levadas a participar em eventos, a comprar produtos ou serviços mesmo que não precisem deles, simplesmente para os partilhar nas redes sociais.

 

Mas a mais perigosa, e talvez a mais insidiosa, distorção das redes sociais é a grande bolha em que vivemos as nossas relações neste mundo digital. As redes podem parecer um lugar aberto, onde a informação e as opiniões são trocadas livremente, mas, na realidade, cada um de nós seleciona os contatos que segue e com os quais interage.

Os algoritmos são também calibrados de acordo com os nossos interesses pessoais e concebidos para nos oferecerem sempre conteúdo que capte a nossa atenção. E isto significa que nós interagimos quase sempre com pessoas semelhantes a nós, que partilham ideias e opiniões semelhantes às nossas.

O risco, portanto, é que nos convençamos de que todos pensam da mesma forma ou de que determinados comportamentos ou pensamentos são partilhados e aprovados por todos. Isto torna as redes sociais mais um confronto entre grupos de fãs do que um fórum de diálogo e debate. Por esta razão vemos tantos radicalismos e extremismos online: batemos palmas a todos os que são do nosso grupo, estão do nosso lado e criticamos e até desejamos ou celebramos a morte de quem está no lado oposto...

 

Para combater esta falta de humanidade, esta parcialidade, devemos sempre olhar para as redes sociais como olhamos para o cinema, sabendo que, em última análise, são uma representação da realidade, mas não a realidade.

 

É importante relembrar o papel responsável das pessoas na filtragem da informação. É fundamental avaliá-la criticamente e procurar fontes fidedignas.

 

Não podemos esquecer que as redes sociais podem ser uma ferramenta poderosa para a expressão individual e a partilha de experiências autênticas. Podem dar força a campanhas de divulgação de ideias e de projetos de solidariedade que muitas vezes os meios de comunicação tradicionais ignoram.

 

É fundamental perceber que a vida é muito mais importante que a imagem e a popularidade.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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