«Εἰρήνη ὑμῖν» - «A paz esteja convosco»
Depois de um fim de semana de vitórias e derrotas desportivas e políticas, nada melhor do que se passou em Roma nestes últimos dias: Paz, é a palavra com que Leão XIV inaugurou o seu pontificado.
Não é uma utopia nem um projeto político, mas a essência da fé. É a paz que Cristo promete aos seus discípulos: «Deixo-vos a paz; é a minha paz que vos dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe nem se atemorize o vosso coração».
Vejamos algumas passagens da homilia papal deste domingo:
«No nosso tempo, ainda vemos demasiadas discórdias, demasiadas feridas causadas pelo ódio, pela violência, pelo preconceito, pelo medo do diferente, por um paradigma económico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres»;
«E queremos ser, dentro desta massa, um pequeno fermento de unidade, de comunhão, de fraternidade. Queremos dizer ao mundo, com humildade e alegria: olhai para Cristo! Aproximai-vos d’Ele! Acolhei a Sua Palavra que ilumina e consola! Escutai a Sua proposta de amor para nos tornarmos a Sua única família: no único Cristo somos um só»;
«E este é o caminho a percorrer juntos, entre nós, mas também com as Igrejas cristãs irmãs, com os que seguem outros caminhos religiosos, com os que cultivam a inquietação da busca de Deus, com todas as mulheres e homens de boa vontade, para construir um mundo novo em que reine a paz.»
Esta paz, desarmada e desarmante, humilde e perseverante, como a definiu o Papa, não é uma ideologia nem um idealismo, mas a descrição da vida de Cristo dada a quem a deseja, aqui e agora. Mas o que é esta paz? Porque é diferente do mundo?
Cristo especifica que a sua é uma paz diferente daquela que o mundo pode dar. Porque para o mundo, ela é o resultado de compromissos. Para os antigos romanos, de facto, o estado de guerra era o estado natural das relações com os povos estrangeiros, a não ser que se fizessem pactos. A chamada “pax romana” foi a interrupção do estado permanente de guerra, um equilíbrio imposto pelo mais forte.
Quando Cristo diz “a paz esteja convosco”, em latim “pax vobis”, não impõe uma relação de poder do divino sobre o humano, um acordo entre partes em guerra, mas cria a nova condição em que o humano e o divino são um só.
Teremos que dar um salto ao texto para melhor entender. De facto, no grego original a frase soa como “Εἰρήνη ὑμῖν” (eirene hymin), onde a palavra “paz” não significa “pacto”, mas um estado de ser, não é um termo jurídico ou diplomático, mas a condição de alguém que está numa relação harmoniosa consigo mesmo, com as coisas, com os outros, porque tem dentro de si a vida de Deus, que é Amor. “Eirene” era a palavra grega mais próxima do hebraico “Shalom”, saudação utilizada pelos povos semitas que no discurso do ressuscitado, não é um mero desejo, mas um facto: felicidade, plenitude, salvação, aqui e agora, e para sempre.
A paz de Cristo é algo muito diferente da paz incerta do mundo: não é bem-estar mental ou material, nem um equilíbrio temporário imposto pelo mais forte, mas uma nova forma de viver, por amor e para amar.
O Papa recordou aos cristãos não um projeto, não uma utopia, não um rótulo, não uma ideologia, com a qual se devem comprometer, mas quem eles próprios são pela graça recebida pelo Batismo. Esta forma de estar não os diferencia em nada dos outros, têm os mesmos defeitos e méritos, fracassos e sucessos, mas tudo com uma alegria e uma ausência de medo porque, na verdade, não são deste mundo e a paz é dom de Deus e não da força humana.
Uma paz que nasce da reconciliação: a reconciliação dos seres humanos consigo mesmos, dos seres humanos entre si e com a criação, dos seres humanos com Deus.