Liberdade imperfeita

Crónicas 25 abril 2024  •  Tempo de Leitura: 4

A liberdade é algo precioso por ser o modo como a vida não deixa de nos surpreender. Pode ser uma surpresa agradável como uma oportunidade de trabalho que se abre. Pode ser uma surpresa desagradável como um tremor de terra enquanto estávamos a caminho do Monte Evereste. Talvez a verdadeira liberdade se alimente de imperfeição.



A Teoria Construtal (1996) de Adrian Bejan diz que — «Para um sistema que flui de tamanho finito persistir no tempo (viver), deve evoluir com tal liberdade que providencia um acesso cada vez maior e mais fácil ao que flui.» — Recentemente, Bejan escreveu um artigo onde explica a razão da perfeição ser inimiga da evolução. Quando apontamos para o que é perfeito ficamos restritos à ideia única que associamos à perfeição. Fechamo-nos sobre essa ideia e como não a atingimos, vivemos em permanente desilusão connosco próprios. Por vezes, um pouco de imperfeição é o suficiente para abrir um espaço de possibilidades que nos abre o caminho da evolução.



Existe uma frase do Evangelho que pode ser inspiradora, mas frustrante. — «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.» (Mt 5, 48) — Perfeito em quê para saber se consigo sequer imitá-lo? Se Jesus se refere ao Pai como criador, estaremos a falar da perfeição na nossa capacidade de co-criar? E quando vemos as partes da criação que levam à dor, sofrimento e morte? Fará esse mal parte da perfeição criadora do Pai? O Pai é quem cuida, logo, estará Jesus a convidar-nos a sermos perfeitos no cuidado connosco, com os outros e com a criação? Deus é Amor. Este é, talvez, o modo como sempre entendi esta frase: sob o ponto de vista da perfeição no amor. Porém, quem de nós é perfeito a amar?



Lembram-se da expressão — «Preso por ter cão e preso por não ter.» — quando pensam nas vezes que procuraram amar, mas os outros não entenderam o modo como amaram? A impressão que tenho é a de que a imperfeição parece ser uma constante em tudo aquilo que o ser humano toca. A palavra "perfeito" provém da intensidade "per-" que antecede o fazer ("-facio"), querendo dizer "fazer completamente", "concluir". Não importa quanto custa fazer, mas não deixar nada por fazer. Ora, um ser completo não evolui mais e isso está longe daquilo que significa ser humano. Mais tarde, a ideia de fazer completamente sem defeitos é uma evolução da palavra, verdade, mas que dificulta a compreensão humana de como Jesus parece pedir-nos o impossível. Foi no meio de todas estas dúvidas e diante da possibilidade do Evangelho não fazer sentido para a realidade vivível que me apercebi de algo importante: somos perfeitos em ser imperfeitos.


Por sermos imperfeitos garantimos que as nossas acções impulsionadas pelas melhores intenções movem-se num espaço de liberdade imperfeita. O desafio da liberdade imperfeita está no modo como identificamos e colocamos as nossas imperfeições ao serviço da nossa evolução e crescimento pessoal. 
Uma imperfeição física, mental ou até espiritual permanece um obstáculo até que a transformemos em trampolim impulsionador de um novo modo de ser livre. Beethoven perdeu a audição ao longo da vida, mas compôs música como poucos conseguem. Lisa Fittipaldi é cega, mas pinta como ninguém. Phil Hansen desenvolveu um tremor na mão, mas abraçou-o para criar novos modos de ilustrar. Quando nos damos conta de que a liberdade imperfeita é o que revela a nossa unicidade, ao identificarmos uma imperfeição, o próximo passo será imagina como a poderia usar para evoluir.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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