Sono profundo

Crónicas 29 fevereiro 2024  •  Tempo de Leitura: 4

Enquanto explicava algo, um aluno na primeira fila começou a fechar os olhos. Pensei que estaria a ser motivo de tédio, mas percebi ser o único alunos naquela situação. Provavelmente estaria cansado e o seu corpo pedia-lhe que entrasse num sono profundo

O sono profundo, também conhecido por sono de ondas lentas, ocupa um lugar central nos processos de restauração física e na consolidação da memória no corpo humano. Durante esta fase do ciclo de sono, mais predominante nas primeiras horas da noite, o cérebro produz ondas lentas e sincronizadas, refletindo uma diminuição e coordenação elevada da actividade neuronal. Este período é vital tanto para a recuperação física quanto mental. Será também importante para a vida espiritual?

O sono profundo é fundamental na consolidação da memória, o que facilita a aprendizagem e a retenção dos momentos que queremos guardar dentro de nós. A qualidade e a duração do sono profundo são importantes para a saúde cognitiva, a regulação emocional e um sistema imunitário robusto, salientando a importância de manter uma boa higiene de sono para assegurar ciclos eficazes de sono profundo. E que impacte terá o sono profundo na abertura do coração ao que o pode transformar?

Uma vez ouvi falar em repouso do Espírito Santo como o corpo que se entrega a Deus num momento de oração e adormece apesar da vida continuar dinâmica à volta dessa pessoa. Não desmaiou por se encontrar numa situação de stress, mas entrou num sono profundo físico e sereno porque o coração encontrou uma paz indiscritível. Por outro lado, podemos interpretar o sono profundo como estarmos anestesiados de tal maneira que não reagimos à vida que nos rodeia quando seria necessário. A diferença dos dois é que o primeiro vive-se de olhos fechados e o segundo de olhos abertos. O primeiro procura ver interiormente e o segundo vê exteriormente, mas é totalmente indiferente ao que vê. O primeiro liga-se a um repousar e do segundo deveria-se despertar. 

O bocejo é mais do que um sinal de aborrecimento, sendo a forma do corpo procura recuperar a atenção e despertar. Com o adormecimento espiritual precisamos de aprender a bocejar com o Espírito. Porém, nesse caso não é a boca que se abre, mas o coração. 

No turbilhão incessante de dias que se sucedem sem pausa, muitos de nós permanecemos adormecidos num sono profundo, embrulhados em rotinas que nos desviam da riqueza espiritual que nos rodeia. Torna-se imperativo despertar desta inactividade interior que nos limita a uma vivência superficial, abrindo os olhos do coração para a diversidade nas maravilhas que nos envolvem. Emergir deste sono é como subir à superfície de um profundo oceano para inspirar, pela primeira vez, o ar fresco e puro. É um convite a nos reconectarmos com a essência da vida, a sentir a terra firme sob os nossos pés e a compreender a interligação de amor existente entre todas as coisas. Há um mundo repleto de beleza, sabedoria e amor à nossa espera, um percurso iluminado que se desvenda ao libertarmo-nos das amarras que nos mantêm alienados. Vale a pena dar o passo de despertar e abraçar, com todo o ser, a aventura espiritual que nos convida a sair da zona de conforto. Pois, cada instante de consciência é um tesouro e um passo na direcção da vida plena que faz da nossa experiência do tempo um arco narrativo epocal de sentido e significado.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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