Comunhão Unitiva

Crónicas 12 outubro 2023  •  Tempo de Leitura: 4

Num mundo cada vez mais conectado por fios invisíveis de informação e redes sociais, torna-se fácil perder de vista a ligação intrínseca que temos com a natureza. A agitação da vida moderna, muitas vezes distancia-nos da essência pura e primordial que o mundo natural nos oferece. Mas é precisamente nesta tocar da mente, coração e mãos com a terra, com o ar que respiramos e com os ritmos silenciosos da natureza que encontramos o verdadeiro significado da comunhão unitiva que nos traz à existência.



Comunhão é mais do que simplesmente estar em contacto com algo ou alguém. É uma mútua íntima imanência de corações (seja de que natureza forem) que nos permite sentir a possibilidade de nos fazermos “um” com o mundo ao nosso redor. Somos parte de um todo maior, um fio de uma tapeçaria intricada e maravilhosamente complexa que é o universo. Quando paramos para ouvir o murmúrio dos rios, o sussurro das folhas ao vento ou o canto das aves ao amanhecer, percebemos que cada nota, cada vibração, é uma canção que também ressoa dentro de nós.


Mas como podemos encontrar esse equilíbrio entre a comunhão com a natureza e uma vida mediada pela tecnologia?

A tecnologia, em si, não é inimiga da natureza ou da comunhão. Pelo contrário, ela tem o potencial de nos aproximar ainda mais do mundo ao nosso redor, ampliando nossa compreensão e apreciação pelo infinitamente grande e o infinitamente pequeno. No entanto, o desafio está no modo como a integramos na nossa vida. Precisamos de ser intencionais nas nossas escolhas, garantindo que a tecnologia seja uma ferramenta para aprofundar a nossa ligação com o mundo, e não uma barreira que nos separa dele.

Uma das maneiras de fazer isso poderia ser os momentos de desconexão onde o olhar, ouvir, cheirar e sentir imerge em profunda contemplação. Assim como é importante para nossa saúde física fazer pausas e descansar, é vital para nossa saúde espiritual e mental dedicarmos alguns períodos a nos desconectarmos do manancial constante de informações e estímulos. Pode ser uma caminhada sem relógio ou telemóvel, um final de semana em que nos retiramos da vida urbana par anos reconectarmos com o mundo natural ou simplesmente um momento de meditação no jardim. O importante será permitir que a nossa interioridade esteja plenamente presente, a experimentar a comunhão com a natureza na sua forma mais pura.

Ao mesmo tempo, podemos usar a tecnologia aprendermos sobre a maravilha da biodiversidade ou complexidade dos ecossistemas. A tecnologia pode ser uma janela para o mundo, desde que saibamos quando abrir e fechar essa janela.

A verdadeira comunhão com a natureza não é algo que possa ser mediado ou facilitado pela tecnologia. Ela encontra-se no silêncio profundo da floresta, no ritmo das ondas do mar, na dança das chamas de uma fogueira. É uma experiência visceral, tangível, que nos recorda a nossa pequenez e, ao mesmo tempo, a nossa grandeza.

Ao abraçarmos a comunhão como mútua íntima imanência entre nós e o mundo natural, somos lembrados de que, apesar da nossa capacidade para criar tecnologias avançadas e construir mundos virtuais, ainda somos, na essência mais humana, seres da terra. E é nessa humilde memória que encontramos o nosso verdadeiro lugar no cosmos.

Em cada manhã abre-se a possibilidade de percorrermos a estrada do equilíbrio entre o digital e o natural, que, a cada passo, nos faz experimentar a sagrada comunhão que compartilhamos com o mundo criado.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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