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Crónicas 29 abril 2021  •  Tempo de Leitura: 5
Imagina-te num deserto. Olhas para o chão e notas num brilho estranho que se move. Aproximas-te e o brilho assemelha-se a prata. Mas a prata não se encontra no estado líquido, por isso, aproximas-te mais. Afinal, são formigas. Mas sabias que os cientistas têm os olhos postos nestes mini-seres da natureza?

No Saara existe uma espécie de formigas chamadas “formigas-de-prata” por causa do revestimento de pêlos triangulares que têm no corpo e que lhes dá esse aspecto. Os cientistas ficaram intrigados com estes pêlos e estudaram o seu efeito térmico num deserto africano onde, por esta altura, o calor varia entre os 20ºC e os 40ºC. Inspirados pelos pêlos destes mini-seres, tiveram a ideia de imitar estas formigas para melhorar o revestimento em edifícios construídos em zonas de muito calor. Pois, os resultados mostram como este formato invulgarmente triangular reflecte melhor a radiação solar e ajuda a perder melhor o calor, também por radiação. Um efeito térmico que não se consegue se os seus pêlos fossem circulares ou se não tivessem sequer pêlos. Pêlos triangulares de tamanho mini. Será que as formigas aprenderam geometria com Pitágoras? Um outro mini-exemplo.

O elefante é um animal imponente e todo o mundo ocidental fica maravilhado quando os vê nos programas da National Geographic, ou no Jardim Zoológico, mas os agricultores africanos não ficam tão satisfeitos. Pois, os elefantes gostam daquilo que eles cultivam, ou não estão cientes de que ao atravessarem os campos agrícolas, estão a destruí-los. Por isso, os agricultores não viam outra forma de afastar os elefantes senão matá-los. A natureza é um dom e uma morte assim nunca é solução. Felizmente, os agricultores encontraram uns mini-aliados inesperados no combate à invasão “elefantícia”: as abelhas.

Os elefantes têm um enorme medo das abelhas porque estas picam-nos na boca e nos olhos e, como imaginas, dói. Por isso, os agricultores perceberam que, se tiverem colmeias de abelhas espalhadas pelo perímetro dos campos agrícolas, essas conseguem afastar os elefantes. Sem darem por isso, este mini-seres salvam os elefantes porque os agricultores já não os matam, e ainda presenteiam as pessoas com o mel delicioso que produzem. Todos ganham a partir deste mini-seres.

As dores sofridas pelos mais pequenos e marginalizados das nossas comunidades não têm qualquer sentido evolutivo. E os seres mini, ou aqueles por quem temos uma mini-consideração, não são úteis porque servem os grandes, como ilustrei em ambos os exemplos. O valor a descobrir, com alguma humilde, é o de que existem mini-realidades neste mundo que são uma autêntica fonte de inspiração. As crises humanas começa no coração de quem perdeu o contacto com as raízes que o ligam ao mundo natural. Daí que o Papa Francisco, na Laudato Si’tenha apelado à escuta de dois gritos — o da natureza e o dos pobres. Mas, no silêncio, muitos seres mini, ou mini-atitudes podem dizer-nos algo de profundo, inovador e inesperado.

Os gestos pequenos que mal se vêem, sentem-se pelos frutos que produzem, sem que muitos se dêem conta disso. A tendência para pisar o que é mini e repugnante impede-nos de ver para além do tamanho. Mas quando somos capazes de nos abstrair disso, e deixamos crescer em nós a atitude mental curiosa, o que é mini passa a intrigar e deslumbrar.

As vidas longas serão sempre minis quando comparadas com a escala cósmica dos eventos no universo, ou a escala histórica dos eventos da nossa civilização. Por isso, aquilo que cada um pode dar ao mundo, e aos que o rodeiam, parece ter um mini-valor, mas tudo não passa de falta de perspectiva. Se formigas e abelhas podem gerar mini-fenómenos com macro-repercussões, quem sabe o que um mini-gesto de amor pode fazer?

Se existe algo a evitar são as mini-visões do mundo e da vida por estarem fechadas sobre si próprias. Quantos mini-desvios pode abrir horizontes impensados e especiais. Recordo-me de ter entrado numa Igreja para adorar o Senhor. Ajoelhei-me e contemplava-O no sacrário. Fiquei em oração e recolhimento por uns cinco minutos. Não sei por que razão, desviei o meu olhar de um mini-ângulo e qual não foi o meu espanto quando me dei conta de que Jesus estava exposto na custódia. Ri-me interiormente da figura ridícula que fiz. Por isso, a lição aprendida foi a de que mini-transformações, seja do que for, trazem sempre à vida valor.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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