Métricas

Crónicas 8 abril 2021  •  Tempo de Leitura: 6
«A medida com que medires é aquela com que serás medido.» — Não me recordo de quando ouvi esta expressão pela primeira vez, mas sempre que penso nela, sou levado a fazer um exame de consciência em relação ao modo como meço as palavras, os gestos, e as distâncias. Aprendi como não posso medir as minhas emoções pelas dos outros, e vice-versa. E, sendo experimentalista, sei o quanto vale medir para obter dados sobre o que conheço pouco, mas se os dados não são tudo, também o mesmo se aplica às medidas.

Prestamos muita atenção às métricas. A última experiência que fiz foi ter notado a descida de uma centésima no valor da minha pontuação na plataforma de cientistas ResearchGate. Não percebia por que razão, e acabei por mim a pesquisar as pontuações de alguns colegas e ver que estavam maiores pontuações que a minha, quando, habitualmente, eram mais baixas. Vi que publicaram mais do que eu e a um dado momento parei — «Mas o que é que estou a fazer?»
Em muitos contextos é necessário haver um termo de comparação. Por exemplo, se tenho 100 projectos para avaliar e apenas 10 podem passar à fase seguinte, as métricas servem para fazer essa distinção. Portanto, são úteis, mas quando as aplicamos a aspectos pessoais, que nos levam a compararmo-nos uns com os outros, o efeito pode perverter os nossos pensamentos e representar um risco emocional desnecessário. Por exemplo, na experiência que fiz, estava a usar a pontuação do ResearchGate como medida de validação da qualidade do meu trabalho científico. Não devia fazê-lo. E parece óbvio, mas as aparências iludem.

Um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia fez um estudo que mostrou como o efeito que os “Gostos” das redes sociais tem sobre os adolescentes é equivalente ao de comer chocolate ou ganhar dinheiro. A parte do cérebro que se activa quando recebemos um “Gosto” ou coração, é a mesma parte activada quando recebemos uma recompensa. Por isso, quando deixamos de a receber, corremos o risco de ficar mais deprimidos. Mas o que psicólogo Anthony Burrows da Universidade de Cornell identificou nas pessoas menos influenciadas por estas métricas foi um forte sentido dos propósitos que têm na vida. E isso vale.

O acto de medir é dos mais comuns na nossa vida. Todos os dias medimos porque precisamos de dados para saber o que fazer em milhares de situações. Mas essas são medidas sensíveis que nos chegam pelos sentidos. As métricas cognitivas e emotivas geram em nós um efeito inversamente proporcional à clareza daquilo que queremos para a nossa vida. Isto é, quando a clareza não existe, cedemos ao impulso que as métricas apontam, e acabamos por andar à deriva e ao sabor do vento. 

Se as métricas dizem que existem muitos projectos científicos aprovados em áreas relacionadas com a Covid, lá vamos nós arranjar maneira de justificar que o nosso trabalho tem a ver com esse assunto. Se as métricas dizem que a cor de Verão é a o alaranjado, lá vamos nós tentar encaixar a nossa cor favorita azul com tons alaranjados. Se as métricas dizem que estou gordo ou magro demais, lá vou eu cortar nos doces, ou comer mais carne, mediante o que a métrica diz. Medir exige ponderação e sabedoria.

A métrica não define quem sou e o que faço, mas o contrário. Por isso, quem se foca nas métricas desvia a sua atenção daquilo que realmente tem valor e do percurso árduo e desafiante que é definir os nossos propósitos. 

Talvez só quem tem baixas métricas esteja contra essas. Foi isto que pensei quando reflectia sobre a experiência curta que havia feito. E há quem escolha a métrica que mais lhe favorece, mostrando, assim, as limitações que as próprias métricas possuem, e do risco que podem representar se as nossas decisões se baseiam somente nelas.

Há que ir para além da métrica. 
Em vez de medir a distância, pensar em percorrer o caminho. 
Em vez de medir o tempo, procurar vivê-lo intensamente. 
Em vez de medir o número de artigos, pensar no que desperta a curiosidade. 
Em vez de medir o peso da carteira, olhar à nossa volta e ajudar quem precisa. 
Em vez de medir o número de terços rezados, rezar cada um como se fosse o último. 
Em vez de medir o número de pessoas que vão à Igreja, conhecer as pessoas pelo nome.
Em vez de medir o amor dos outros, amar todos sem qualquer medida e cada um com a medida total.
 
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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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