Paciência

Crónicas 5 novembro 2020  •  Tempo de Leitura: 7
É importante manter a esperança em relação ao impacte que o pouco ou muito que damos de nós próprios tem sobre a sociedade, a cultura e o mundo. Cada vida vale, e muito. Cada respiro é sinal da possibilidade de realizar gestos de reciprocidade de quem vai com o seu pensar para além de si mesmo, dos outros e chega ao íntimo gerado pelo relacionamento das consciências.

A sabedoria adquire-se quando amamos. Quando colocamos os valores acima das sensações. Mas lidar com isso não é fácil. Por exemplo, o facto de estar a escrever neste momento. Não encontrava a motivação necessária para o fazer, nem o assunto. O que escrevemos fica até que as palavras se destruam, ou fiquem remotamente perdidas num servidor qualquer. Mas quando as palavras são lidas, afectam quem as lê, e isso pode durar para sempre.

Se o que lermos for banal, o efeito produzido é o do aborrecimento. Mas se fizerem algum sentido, podem transformar, inspirar, mover e tocar.

Respiro fundo porque me sinto vazio e bloqueado. Ou será antes um entrelaçar de ideias que em mim, confusamente, bloqueiam o meu agir. Não consigo encontrar a saída para que as palavras se tornem expressão do esplendor da verdade que dentro de nós encontra eco.

O fluir das ideias e os turbilhões de pensamenos, eventualmente, desaguam no mar da multidão e perdem-se. Não é possível seguir a história de um átomo e contar algo de interessante. Por vezes sinto o fluir de ideias como átomos desinteressantes que deixam um aperto no peito pelo anseio do fim de “ter de escrever”, ou “ter de pensar”.

A escrita por obrigação é um passo que precede a escrita por inspiração. O árduo caminho exige uma preparação exterior, mas, sobretudo, interior. O sono vem como expressão do tédio mental que ardentemente procura algo de interessante para escrever e não encontra.

Todos temos altos e baixos. Momentos de euforia e desânimo. Noites e dias. Clareza e a mais profunda escuridão. Os opostos unem-se pela distinção forte que experimentam, bem como o paradoxo que nunca o é.

Ligar os pontos soltos que permeiam os vários momentos sequenciais e simultâneos das nossas histórias é uma tarefa tão natural quanto ingrata. Histórias que se entrelaçam na surpresa do momento presente. Um dia temos a ideia mais luminosa do mundo. No dia seguinte podemos viver no mais profundo vazio da noite. Experiências paradoxais.

Por vezes, sei onde quero chegar, mas falta o ímpeto do primeiro passo. Ou do próximo passo. Parece simultânea a vontade de fazer, e o emperro de querer mover e não conseguir. A esperança mistura-se com a falta de vontade ou força para dar o mais pequeno passo. O que fazer quando ficamos, assim, paralisados?

Ser paciente.

A paciência é a mãe de toda a esperança que nos anima no mar do desânimo. Luz suave e minúscula que abre uma fresta dentro da consciência. Paciência connosco próprios, com os outros, com a natureza e até com Deus.

A paciência liga-se aos tempos de espera que vivemos ao longo dia. São momentos de pausa que, diante das situações que nos podem paralisar, representam aquele fechar dos olhos, por momentos, para re-centrar o nosso sentir, pensar e agir.

«Alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai na oração» (Rm 12, 12). Paciência pode tornar-se num espaço privilegiado de encontro com a relacionalidade que nos estrutura por dentro. Quantos momentos tensos com quem amamos se resolveram com uma pitada de paciência?

Pela manhã, quando pego na caneta e abro o meu caderno de páginas matinais, com uma página em branco pela frente, a paciência limita a velocidade de escrita e a letra fica mais límpida e bonita. Quando vemos alguém a praticar a escrita chinesa, a palavra paciência vem-nos à mente e emociona antes da beleza que a dança na mão realiza. 

Se no fim tudo dá certo e, enquanto não der, quer dizer que não chegámos ao fim, significa que a paciência assegura a resiliência necessária para nos mantermos a caminho no caminho. E por falar em caminho…

Um taxista de Nova Iorque pára no passeio junto à porta de uma casa para o seu último serviço do dia. A pessoa não aparece. Ele buzina. Nada. Decide sair e bater à porta do cliente, ouvindo uma voz — «só um minuto.» — Ouve o arrastar de malas e uma senhora dos seus 90 anos abre-lhe a porta. Olhando de soslaio para o interior da casa parece que ninguém vivia lá há anos, pois os lençóis estavam por cima dos móveis e achou curioso não haver qualquer relógio.

«Podia levar a minha mala?» — pede-lhe a senhora. Pegando na mala, e o braço da senhora, ajuda-a a deslocar-se até ao táxi e a entrar. 

Dentro do táxi, a senhora entrega-lhe a morada num papel e pergunta-lhe — «podia ir pela baixa?»
«Não é o caminho mais curto.» — responde.

«Não tenho pressa. Não me importo,» — diz-lhe — «vou a caminho do hospício…» O taxista olha com ar de preocupação pelo retrovisor. A senhora apercebe-se e diz-lhe — «Já não tenho família. E os médicos dizem que não tenho muito tempo.» — Discretamente, ele desliga o taxímetro e pergunta-lhe — «que trajecto gostaria de fazer?»
 
A paciência do taxista permitiu à senhora poder recordar os lugares que marcaram mais a sua vida durante uma viagem pela cidade de Nova Iorque que durou mais de duas horas. Ao fim desse tempo de memórias, ela pede-lhe para ir ao destino por estar cansada. Chegando, depois de tirarem as malas, abraçaram-se. Ela agradeceu. Não tanto pela oferta da viagem, mas, seguramente, pela paciência que não tem preço.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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