Sentidos

Crónicas 25 junho 2020  •  Tempo de Leitura: 3

São através deles que nos damos conta de estar vivos. E quando um falha, os outros aumentam a sua sensibilidade. Por serem tão concretos e materiais, talvez seja subtil o tipo de profundidade que trazem à nossa vida.

O olhar é o meio de contemplar.
O ouvir é um modo de acolher.
Com o cheirar experimentamos a inspiração.
O saborear desperta a imaginação. 
E o tactear é um acto de comunhão.

Mas o desafio está em vencer as frentes da vida quotidiana que tornam os nossos sentidos dormentes. 

O olhar preso nos ecrãs.
O ouvir fechado por auscultadores.
Um cheirar reduzido a perfumes fast-food.
Um saborear mascarado pelo sal e o açúcar. 
Um tactear grudado a teclados e swipes.

Talvez por isso estejamos tão distraídos. E quanta profundidade nos passa ao lado porque, enquanto estivermos entretidos, estamos bem.

O olhar renova-nos pela atenção plena.
O ouvir transforma-nos pelo silêncio natural.
O cheirar inspira-nos a sair e ampliar o ambiente que nos rodeia.
O saborear desafia-nos a ser criativos.
O tactear dinamiza-nos a um contacto activo.

Os sentidos libertos da prisão cognitiva que a vida constantemente online nos induz, fazem-nos experimentar como temos mais tempo para estar onlife

O modo de libertar os sentidos passa, assim, por inteligentes opções offline. Inteligentes porque orientadas pelos valores. Nesse sentido, a crise humana que mergulhou a nossa espécie na escuridão da distração, revela-se como uma crise de valores. Isto é, já nem pensamos a que é que damos valor quando uma tecnologia ou App nova surgem com o intuito de tornar a nossa vida mais cheia. Talvez não precisemos de mais coisas, mas de menos ou diferentes.

O antídoto para recuperar os sentidos e redescobrir valores que nos tornam mais humanos é tão simples que parece ridículo: notar em coisas novas.

Experimenta já. 

Olha à tua volta. Vês algo que não tinhas reparado antes?
Pára por um momento o que estás a ler e escuta. Ouves algo que não havias ouvido antes?
Da próxima vez que caminhares vai cheirando. Identificas odores diferentes?
Numa frutaria, existe algum fruto, ou numa mercearia algum legume que desconheças e nunca saboreaste antes?
Ainda te lembras de sentir a textura da casca de uma árvore?

São meros exemplos numa infinidade de possibilidades que a simples ideia de notar em coisas novas pode abrir. 

De certo modo, notar em coisas novas leva-nos a viver com maior intensidade o momento presente. O único que verdadeiramente temos, mas que facilmente perdemos quando cedemos à distracção fácil. 

Notar em coisas novas é um modo de recuperar uma das maiores e grandiosas qualidades humanas - a curiosidade - despertando em nós uma atitude mental que liberta a imaginação e faz-nos mais criativos. Será a criatividade o motor da história para construir a comunidade da criação onde redescobrimos o quanto fazemos parte da natureza. Assim, abrimos a vida humana à sua dimensão cósmica e a mente humana a uma presença perene especial oculta no silêncio.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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