A Falsa Felicidade

Crónicas 23 junho 2020  •  Tempo de Leitura: 5

Este fim de semana o universo português da representação "acordou" chocado com a morte de um dos seus membros. Por ser figura pública afetou muitas outras pessoas.

 

O suicídio é sempre uma realidade dramática que deixa feridas profundas, uma sensação de impotência, o reconhecimento da incapacidade de entender a situação real do familiar ou amigo. A vida é um presente inestimável e único, de acolher e preservar, de cuidar preciosamente e frutificar. Quando uma pessoa próxima a nós decide, por razões desconhecidas ou conhecidas, recusar esse presente, revela-se o mistério que é cada pessoa, o drama da liberdade que torna cada pessoa responsável último pelas suas próprias escolhas, mas também revela o sofrimento íntimo e profundo que levou-o a tal gesto.

 

Vivemos num mundo cada vez mais plástico, onde o ser já pouco importa. Agora importa o parecer ser! Parece que somos donos da nossa vida, porque fazemos dela o que queremos. Parece que estamos contentes, porque não podemos ter razões para andar tristes. Parece que somos felizes porque temos tudo para o ser. Parece… Parece…

 

Nós não somos os donos da vida! A vida humana é sagrada porque, desde o início, envolve a ação criadora de Deus e que sempre permanece num relacionamento especial com o seu Criador. Somente Deus é o Senhor da vida, do começo ao fim, e ninguém, em todas as circunstâncias, pode reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente. Não somos donos da vida, mas administradores de um dom recebido e não podemos dispô-la à nossa vontade. Principalmente os crentes! A morte destrói tragicamente os laços mais íntimos e sagrados, familiares e sociais, deixando feridas incuráveis.

 

Falta-nos a empatia de Jesus. Falta-nos a saber estar com o outro ou mesmo no lugar do outro. Facilmente julgamos. Facilmente emanamos sentenças como se fossemos os mestres da vida. Temos soluções para todos ou outros, mas esquecemo-nos de as encontrar para nós se estivéssemos no lugar deles. 

 

Vivemos numa sociedade que temos que estar sempre na nossa melhor performance. Não nos são permitidas falhas, pausas, fracassos e interrupções… Não basta seres bom. Tens que parecer ser bom. E isto num contínuo onde te confundes com uma máquina industrial. A estética e a plástica parecem ser o ideal, o suprassumo da existência humana… Essa ideia falsa de felicidade…

 

Porém, o cristão sabe que falha, que erra. Sabe também que o amor de Deus está disposto a sempre nos acolher. E nada nos pode separar desse amor. Escreveu São Paulo na carta aos Romanos

 

"De facto estou convencido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas presentes, nem as coisas futuras, nem as forças, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura será capaz de nos separar do amor de Deus. Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor." (Rom 8,38-39)

 

Se nenhuma "coisa criada" pode separar um cristão do amor de Deus, e mesmo um cristão que comete suicídio é uma "coisa criada", mesmo o suicídio não pode separá-lo do amor de Deus. Jesus morreu por todos os nossos pecados. Por todos! 

 

Isto não significa que o suicídio não seja um pecado grave contra Deus. De acordo com a Bíblia, o suicídio está sempre errado. Não há circunstância que possa justificar alguém, especialmente um cristão, que tire a sua vida. Os cristãos são chamados a viver as suas vidas por Deus: a decisão sobre quando morrer depende de Deus e somente dele. Mas também é verdade que não podemos julgar, entrar no coração daqueles que fazem esse gesto, porque somente Deus, rico em misericórdia, o conhece. E apenas Deus, que não poupou seu único filho para nós, criará oportunidades de arrependimento, a fim de não perder nem um de seus filhos…

 

Como crentes, acreditamos neste amor louco que quer que todos estejamos seguros e oramos por aqueles irmãos que, por razões desconhecidas para nós, não foram capazes nem puderam apreciar o presente inestimável da vida. A oração torna-se numa forma elevada de caridade e misericórdia e faz-nos intercessores por aqueles que estão a sofrer. Torna-nos mais empáticos ​​com aqueles que nos estão próximos, porque aprendemos a aproximar-nos, atentos aos seus sofrimentos ocultos, dos quais devemos cuidar, para que a promessa de vida que recebemos possa ser cumprida para todos os homens.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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