O que já passou e não (nos) passa!
De entre os milhares de insuportabilidades que a vida nos oferece, há uma que parece ser mais pesada que todas as outras. Todos nós encontramos formas diferentes de falar da maior pedra que temos no sapato. O que já lá vai. O que já passou. O que ficou lá atrás. O que já deu o que tinha a dar. O passado. É o passado que nos ultrapassa. É o passado que, dolorosamente, não nos passa.
Apregoamos, demasiadas vezes, uma liberdade que não temos. Parece-me que a nossa liberdade está sempre condicionada. Somos livres mas não conseguimos esquecer o que nos fez desconfiar mais dos outros. Somos feitos de um sopro de vento mas não conseguimos digerir a treva que aquele alguém colocou em nós. Somos anunciadores do faço-o-que-bem-me-apetece mas não nos passa aquela sensação de mordaça que temos na garganta por todas as palavras que, ontem, não pudemos dizer.
Assim, e mergulhados nos nossos contornos de liberdade, vamos avançando sem sair do mesmo lugar. Temos correntes que aprendemos a esticar mas que não conseguimos aprender a cortar. E o laço com o passado ali fica. Até nunca apodrecer. O problema pode ser, exatamente, esse. O passado não passa. Comecemos por aí. Se o passado não passa, que atitude me resta? Aprender a suportar essa presença quase imposta. O passado é teu. É meu. Foste tu que viveste o que estava a acontecer contigo nesse tempo determinado. Nesse momento específico. Fui eu que vi o que me mudou para sempre e não me deixa voltar àquilo que já tinha sido. O passado não nos passa porque é nosso. Foi nosso. Faz parte do caminho que nos trouxe até aqui. São os quilómetros que me fazem ser do tamanho daquilo que sou.
No entanto, viver do passado não é viver. Há o perigo de nos tornarmos reféns do que já lá vai se não soubermos encontrar o lugar certo para arrumar o que ficou congelado naquele instante lá atrás. O desejo de mudar o que se fez é quase estúpido. Fizemos o que podíamos fazer com aquilo que, nessa altura, sabíamos. É muito fácil dizer que “se fosse agora fazia tão diferente”. Pois claro. Seria simples assim. Não conheceríamos a sensação de errar. De ter feito mal. De sofrer com a falha. Mas também não nos seria possível encontrar a alegria das segundas oportunidades.
Por isso, e mesmo que o passado não te passe, passa à frente!