Livro da Semana: «Ressurgir: 40 perguntas sobre a pandemia»

Livros 7 outubro 2020  •  Tempo de Leitura: 9

Manuela Ramalho Eanes, António Bagão Félix, Eugénio Fonseca e D. Carlos Azevedo são algumas das personalidades que comparecem no novo livro “Ressurgir – 40 perguntas sobre a pandemia”, que a Paulinas Editora leva às livrarias nos próximos dias, obra que termina com uma reflexão de Tomáš Halík, que apresentamos na íntegra.

 

Dividido em cinco capítulos, “Vida, saúde e solidariedade”, “Pessoal-Familiar”, “Ciência, informação & cultura”, “Economia sustentável” e “Espiritualidade”, o volume aborda questões como a solidariedade em tempos de pandemia, estilos de vida, humor, amor, educação, direitos humanos, desigualdades, concertação social, comunidade científica, televisão, economia, teletrabalho, ecologia, turismo, mundo digital, liderança, Europa, China, diálogo inter-religioso, Igreja e cultura.

 

A dança macabra do vírus fez abrandar as atividades económicas, a produção industrial, a circulação de automóveis e aviões, e deu-nos uma lição terrível: as nossas sociedades só terão solução se mudarmos de estilos de vida, se ficarmos em harmonia com os ecossistemas e sem uma «economia que mata». O vírus é uma força cega da natureza, contudo o sofrimento que traz não é distribuído por igual. Neste panorama local, português, e, ao mesmo tempo, global, tentámos lidar com a calamidade presente. Não a aceitamos como fatalidade, mas aspiramos, ao resistir- lhe, a uma epifania, a uma intimação à mudança. Recusamos a resignação ao que simplesmente vier e não enjeitamos o esforço de criar sentido e valor num País e num mundo confrontado com desafios sem precedentes. 

 

Uma publicação interdisciplinar que reflete sobre as repercussões pessoais e familiares da pandemia e partilha reflexões de pessoas de áreas científicas, académicas, literárias e da sociedade em geral “sobre a calamidade” do novo coronavírus, que dedica o último capítulo à espiritualidade e “um bom exemplo” que analisaram foi o “acontecimento transcendente, nem parecia televisão, era a história a acontecer” do Papa Francisco “sozinho, no meio da Praça de São Pedro”, a 27 de março, numa celebração extraordinária de oração. 

 

Com 40 perguntas, começa com a interrogação “como é que tudo começou?”, que, segundo o professor universitário Mendo Castro Henriques, “talvez seja uma das perguntas que não pode ser já respondida”.

 

O mundo depois da pandemia
Tomáš Halík
In “Ressurgir – 40 perguntas sobre a pandemia”

 

Ao longo dos últimos meses vimos, por obra da pandemia, as igrejas vazias, a restrição das festas litúrgicas, tendo-se até omitido a celebração pública e comunitária da Páscoa. Anunciarão os templos despovoados uma nova fase do Cristianismo no continente europeu?

 

O mundo em que viveremos depois da pandemia será vulnerável, instável e complexo. Nós, cristãos, devemos introduzir nele um testemunho de fé vivida como confiança de que este mundo, precisamente, nos é confiado como dom e missão, e a fé como fonte de força para aceitar e levar esse objetivo ao seu cumprimento.

 

Devemos tomar em consideração vários cenários de possíveis desenvolvimentos futuros. As previsões dos peritos variam de forma radical. É provável que a humanidade fique mais pobre a nível global, que muitos países e muitos setores da sociedade passem da prosperidade à pobreza e da pobreza à miséria. As consequências sociais mudarão a cena política internacional, as relações entre os Estados e as representações no poder das sociedades individuais: algumas serão erradicadas, outras saberão aproveitar a ocasião para se destacarem.


Esperamos que a pandemia de coronavírus seja detida pela ciência médica e que as suas consequências económicas sejam resolvidas por economistas e políticos. Permanece, porém, um profundo estado de choque na autoestima do homem moderno, que brota da experiência da vulnerabilidade do nosso mundo e das limitações do nosso poder humano. Todos nós o devemos enfrentar, e a solução não virá do exterior.

 

A procura de uma religião fundamentalista que ofereça respostas simples para perguntas complexas e que esteja disposta a celebrar alianças com os populistas na vida política está destinada a aumentar. Muitas formas antigas e novas de magia aparecerão no mercado religioso, prometendo a milagrosa transformação das pedras em pão e oferecendo as fiáveis armas dos anjos a todas as pessoas frágeis, o ópio económico para os inseguros e uma cura infalível para todas as dores. Espero que os discípulos de Jesus consigam repelir tais tentações.

 

Contudo, não posso deixar de me interrogar sobre se este tempo de igrejas vazias e fechadas não representa uma espécie de advertência para aquilo que poderá vir a suceder num futuro não muito distante: dentro de poucos anos elas poderão estar assim em grande parte do nosso mundo. Porventura não fomos já advertidos tantas vezes por aquilo que tem ocorrido em muitos países, onde cada vez mais igrejas, mosteiros e seminários se foram esvaziando ou fechando? Por que razão temos vindo a atribuir esse fenómeno, há tanto tempo, a influências exteriores (o «tsunami secularista»), em vez de nos darmos conta de que estávamos a chegar ao fim de mais um capítulo da história do Cristianismo e de que era tempo de nos prepararmos para um capítulo novo?

 

Talvez este tempo de edifícios eclesiais vazios traga simbolicamente à luz o vazio escondido das Igrejas e o seu futuro potencial, se não se fizer uma tentativa séria de mostrar ao mundo um rosto do Cristianismo completamente diferente.


Ao mesmo tempo, devemos refletir sobre a metáfora tão grata ao papa Francisco, ou seja, sobre a imagem da Igreja como um «hospital de campanha»; trata-se de uma metáfora segundo a qual ela não se deve manter magnificamente isolada do mundo, mas derrubar as próprias fronteiras e levar ajuda aonde quer que as pessoas se encontrem física, mental, social e espiritualmente aflitas.

 

A Igreja como hospital não é uma estrutura interna da Igreja orientada apenas para os seus membros. Deve prestar ajuda a todos aqueles que dela necessitam. O «ecumenismo do sofrimento» e a dor partilhada requerem o «ecumenismo da compaixão» e a unidade de todos aqueles que querem e podem ajudar.

 

Um dos grandes dons da pandemia do coronavírus é a queda dos muros de separação não só entre as Igrejas individuais, mas também entre «crentes» e «não-crentes». Não creio que uma fé que não treme perante tal sofrimento e que não dirige a si própria as interrogações que Job dirigiu a si mesmo, para escândalo dos seus devotos amigos, possa realmente estar viva e ser verdadeiramente humana. Também não creio que um ateu, se for verdadeiramente honesto, perante um tal grau de sofrimento, não se interrogue sobre se não deveria antes procurar a fonte de força e de esperança mais profundamente do que aquilo que este mundo tem para oferecer.

 

A escuridão da dor que tem envolvido o nosso planeta ao longo destes meses requer uma nova dimensão do ecumenismo, o ecumenismo «do interrogar-se e do partir em busca». Impele-nos ainda a procurar uma comunidade da qual se possa fazer parte sem uma certidão de batismo e na qual, todavia, seja possível estar com Cristo.

 

Ficha Técnica

Título: Ressurgir - 40 perguntas sobre a pandemia
Coordenação: Artur Mourão, Diana Ferreira, Mendo Henriques, Nuno André
Editora: Paulinas
Páginas: 224
ISBN: 978-989-673-741-1

Bento Oliveira

Coordenador iMissio.

Pai. Licenciado em Ciências Religiosas. Professor de EMRC. Gosta de pensar e evangelizar nas redes! O trabalho em equipa é o presente da pastoral.

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