Montanhas d(e) confiança

Crónicas 28 novembro 2017  •  Tempo de Leitura: 6

Fiquei muito tempo a olhar para a montanha que tinha aparecido à minha frente. A olhar para o seu tamanho, os seus declives, a achar que não seria capaz, a achar que não era justo e que era demasiado difícil subi-la naquele momento. Por isso contornei-a durante muito tempo, andei às voltas a pensar e a fazer outras coisas. "Eu não devo estar a ver bem, esta montanha não deve ser minha".

 

Mas a montanha continuava lá. E eu continuava a sentir que não era justo, que era demasiado, que não queria acreditar no que se estava a passar, no que estava a sentir. Sentei-me encostada à montanha, mãos na cabeça, esgotada. Ouvia as pessoas dizerem-me: Confia. Confia em Deus, confia nos outros, confia em ti. O que significa isso?, pensava eu. Achava que tinha confiado, que estava a confiar, mas a montanha continuava ali. E parecia aumentar!...

 

A certa altura percebi que tinha que me levantar, fazer qualquer coisa diferente mas fazer. Estar parada estava a deixar-me estranha. Decidi então subir à montanha para ver aquilo que me estava a escapar. Talvez fosse capaz de ver mais longe, mais alto, com maior distância aquilo que estava a viver.

 

Mal comecei a andar, quis sentar-me e ficar por ali. É duro subir à montanha! E a subida não é sempre igual. No início vamos com mais ritmo porque estamos mais frescos. Depois, começamos a sentir que a subida afinal é maior do que pensávamos, e por isso mais à frente fazemos uma paragem para recuperar o fôlego e seguimos caminho. Por vezes temos momentos em que achamos que já chega e em que dizemos "vou ficar por aqui" mas recuperamos forças num miradouro pelo caminho. Retomamos. De repente, tropeçamos, magoamo-nos e sentimos-nos frágeis, e decidimos parar. Ficamos ali umas horas, uns dias, até que vemos alguém que vem a descer com um sorriso e nos dirige palavras de esperança e enchemo-nos de ânimo porque vemos que é possível chegar lá acima. E voltamos ao caminho! Outras vezes temos encontros inesperados e paramos à conversa a ver a vista...

 

E, sem sabermos como ou sem nos apercebermos, já não pensamos em ficar por ali ou voltar para trás, mesmo que ainda doa. Seguimos. Subir e cuidar da subida tornam-se objectivos principais. Fazem-se pausas, tantas quantas forem necessárias, descansa-se. Celebra-se o que já se subiu.

 

Na montanha não se foge da subida, ela está sempre lá. Não fugimos do que nos dói mas se olharmos para a ferida podemos perceber o que é preciso para a tratar. Podemos tratá-la. Subir à montanha é fazer o inverso dentro de nós. É mergulhar no mais profundo de nós, da nossa história, do que não queremos olhar, do que não sabíamos que tínhamos de belo e de frágil.

 

Estamos mais atentos quando subimos a uma montanha e por isso tomamos maior consciência do que nos dói, do que nos anima, dos dias, dos outros, de nós. Pensamos muito. Choramos muito. Falamos muito. Percebemos que não vamos sozinhos. Sentimos e vemos Deus nos que fazem caminho ao nosso lado e aparecem em troços da subida para nos ouvirem, para nos tratarem as feridas, para nos darem de comer, para nos fazerem rir, para nos dizerem "tu já viste bem o que já subiste?".

 

Quando deixamos de sentir que não merecíamos aquela montanha, e passamos a sentir que aquela montanha não está contra nós mas é sim uma forma de relevo do nosso caminho, percebemos que há caminho. Confiar é viver acreditando que há sempre caminho, porque há um sentido. 

 

Confiar é subir à montanha. Ou correr a maratona, ou mergulhar dentro de nós. É a imagem do que nos desafia.

 

Confiar é viver com confiança, com o que ela implica. Não é ser passivo, é ser activo. Pede de nós! Pede que nos descentremos das nossas ideias, idealizações, e às vezes até sonhos, e que arrisquemos esperar o inesperado.

 

Confiar é dar espaço. Dar espaço ao imprevisto, à surpresa, a novos sonhos. É não estar sempre a dizer à vida o que fazer ou para onde ir. E por isso é estar mais disponível para receber aquilo que a vida nos quer pôr nas mãos e no coração. Confiar não é ver os dias a passar, mas sim passar por eles com solenidade e risco, como dizia a poeta.

 

É óbvio, por isso, que não podemos confiar sem esperança. Mesmo que achemos que não a temos, que não a conseguimos ter, o simples facto de arriscarmos subir à montanha implica acreditarmos que poderemos chegar ao topo.

 

Na vida há muitas montanhas. Há durezas. Há dor. Mas não há becos sem saída numa vida de fé. Mesmo que desencantados, desiludidos, cansados, suados, feridos, confiar é arriscar que ainda assim é possível haver vida, sermos vida, haver beleza, sermos beleza. Confiar é arriscar saborear o que já é antes de chegar o que desejamos que seja. É chegar ao topo daquela montanha já sem pensar no que queríamos que fosse, mas olharmos o horizonte, a paisagem e o que subimos agradecendo a surpresa do que a vida é, do que os outros são e do que nós somos.

  

P.S. - Este texto é especialmente dedicado a todos os que neste momento possam estar a olhar para uma destas montanhas que tem a vida e a sentirem que não querem, não conseguem, não podem subi-la: Confia. Confia em ti, confia nos outros, confia em Deus. Mas antes, começa a subir à montanha, tudo o resto virá.

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