Lavar o dia

Crónicas 11 julho 2025  •  Tempo de Leitura: 3

Basta a cada dia o seu problema

(Mt 6, 34).

 

Tanto pode acontecer num dia e cada dia traz os seus desafios e bênçãos. Tomamos, mesmo sem dar conta, muitas e variadas decisões. Tudo acontece a uma velocidade estonteante que não temos tempo, na azáfama das nossas tarefas diárias, de processar tudo o que aconteceu. Os dias vão passando e nós nem nos apercebemos das maravilhas que continuamente fazes em nós. É pena, mas assim somos.

Hoje, por exemplo, imersa em arrumações, cada vez que pegava em mais do que uma coisa, as minhas mãos pareciam furadas porque caía sempre qualquer coisa. Ao fim de repetir esta proeza 2 ou 3 vezes comecei a perguntar a cada agachamento para apanhar o que caiu ao chão o que estavas a tentar dizer-me.

- Senhor, não percebo o que me estás a pedir. Explica de maneira que compreenda, por favor. Em parábolas, se quiseres. Aprecio a tua maneira astuta de nos contares estórias recorrendo a imagens e metáforas de coisas que nos são familiares. Gosto igualmente do modo como as tuas perguntas nos interpelam e desinstalam, como enigmas que precisamos de resolver para poder seguir em frente.

Dou-me conta, porém, que são demasiadas as vezes em que ouvimos sem escutar. Como é difícil calar os ruídos do nosso cérebro inquieto e apressado. Estamos desabituados, pelo menos por mim falo, a dedicar tempo ao silêncio, como se calar fosse o mesmo que morrer.

Em contrapartida, dá-me um grande prazer chegar a casa. Aquele momento em que suspiramos com a doce sensação de dever cumprido. Mais do que a alegria de entrar, deleita-me poder seguidamente lavar o dia.

- 'Lavar o dia?' Como é que se lava um dia?

Lavar o dia é poder despir-me do dia que passou, lavando o corpo e, sobretudo, a alma. Tempo de rever e refletir, aceitar contritos as nossas falhas nos momentos em que não soubemos amar como tu. Mas é também oportunidade de agradecer os momentos em que humildemente servimos e amámos sem dizer à mão esquerda o que fez a direita (cf. Mt6, 3).

A água que vai caindo sobre mim faz-me lembrar a água do batismo que, ao mesmo tempo que lava os nossos pecados, torna-nos em ti filhos muito amados do Pai. A pensar na beleza da liturgia deste sacramento, dos seus símbolos e gestos, começo finalmente a silenciar os ruídos do quotidiano para escutar a tua voz.

- “Senhor é bom estarmos aqui (Mt 17, 4). Como é bom lavar o dia contigo.

Por sua vez, a água que pelo ralo desaparece leva toda a sujidade em mim e liberta-me das preocupações do dia que passou para que, limpa e transfigurada, possa adormecer na tua paz e acordar na manhã seguinte entusiasmada com as possibilidades do dia que amanhece porque “basta a cada dia o seu problema” (Mt 6, 34).

- Bendito sejas, Senhor, pela paciência de lavares o diacomigo!

 

Raquel Dias

Cronista "Lavar o Dia"

Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas e apaixonada pela escrita. Voluntária na paróquia de São Julião da Barra. Ovelha perdida que reencontrou o caminho. Hoje, de coração cheio e grato, procura transmitir a alegria do Evangelho a todos os que cruzam o seu caminho. \"Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?\" (cf. 8. Evangelii Gaudium)

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