IA
Terça-feira. Entras no carro e o teu smartphone diz que falta 1h para chegares ao teu destino. Sexta-feira. Entras no carro e o teu smartphone diz que faltam 2h para chegares ao teu destino. A inteligência artificial, mais conhecida por IA, conhece os teus hábitos. Até parece que te conhece melhor do que outras pessoas. Será que um dia conhecer-te-á melhor do que a ti mesmo?
Conhecer não é o mesmo do que compreender. Por isso, quando se trata de compreender, a IA não consegue distinguir o que é importante daquilo que não é e que varia de pessoa para pessoa. Apesar da IA-“Deep Blue” ter ganho ao famoso jogador de xadrez Garry Kasparov em 1997, ainda não é motivo para nos preocuparmos segundo Gerd Gigerenzer que publicará em agosto deste ano um livro sobre como nos mantermos inteligentes num mundo inteligente.
O argumento principal de Gigerenzer é o de que o estado actual da tecnologia nunca poderá substituir os seres humanos porque não existe um algoritmo para o senso comum. Ou, diria eu, o bom senso. Allen Lane que escreve para a New Scientist diz que — «a tecnologia digital criou uma economia que negoceia com as trocas de dados pessoais que podem ser usados contra os nossos interesses.» — E sobre esta subversão do uso dos nossos dados diz Gigerenzer que — «poderíamos chamar ‘pecado original’ da internet a este voltar para um modelo de negócio baseado em anúncios.» Logo, o que fazer para enfrentar esta situação que parece estar, cada vez mais, fora do nosso controlo?
A sugestão de Gigerenzer é a de que precisamos de mudar o nosso relacionamento com a tecnologia, independentemente das vantagens que a IA nos oferece. Devido aos benefícios que experimentamos com a IA, gradualmente, fomos perdendo a capacidade de questionar se determinada tecnologia é, ou não, boa para a nossa vida. Assim, há que cultivar uma boa dose de cepticismo para nos ajudar a manter saudável e sem vício o relacionamento com a tecnologia. Mas isso torna-se cada vez mais difícil quando envolve as redes sociais onde a IA está mais desenvolvida.
À medida que o tempo passa, aceitamos a ascensão do vício das redes sociais como algo normal e inescapável. Tudo o que tem valor parece ser obrigado a estar divulgado nas redes sociais por ser onde as pessoas estão. É raro pensar-se em encontrar estratégias para retirar as pessoas das redes sociais, de modo a favorecer os espaços de pensar a fundo nas coisas, reflectir e perder tempo a treinar a nossa criatividade.
Apesar dos muitos alertas das violações de privacidade, da difusão de desinformação e das pessoas aceitarem serem cobaias em estudos que envolvem alguma manipulação psicológica e social, cada vez mais nos importamos menos com isso. O “vinde e vede” de Jesus está a ser substituído pelo “clique e visualize” da IA. A proposta de Jesus implica sair do nosso conforto e pormo-nos a caminho, enquanto que a proposta da IA programada nas redes sociais implica mantermo-nos confortáveis e parados no mesmo sítio a olhar para o ecrã. Talvez tenha chegado o tempo de repensar as nossas escolhas.
O mundo continua cada vez mais dependente da tecnologia para funcionar. E revela-se tão incontornável como crescente, o papel que representa a IA nesse caminho. Por isso mesmo, nunca como dantes o “discernimento humano” se tornou tão vital para aprender a viver “com” o mundo digital sem estarmos apegados a esse.
A Inteligência Artificial, a IA, é um fruto da criatividade humana que está a dar vida à tecnologia cuja voz da/do Siri, Alexa ou Cortana interpreta cada vez melhor o que dizemos, mas permanece incapaz de uma inteligência relacional que favorece o discernimento comunitário. Em 1966, Joseph Weizenbaum criou no MIT (Massachusetts Institute of Technology) um programa chamado Eliza cuja interacção levou muitas pessoas a pensar que estavam a falar com alguém — «Humano: “estás viva?”, Eliza: “Talvez nas tuas fantasias estarei viva.”» — uma interacção baseada na típica resposta de um psicólogo a uma pergunta dirigida a ele com uma interpelação que volta a focar o argumento naquele que pergunta. Em 2021, o número de dispositivos na Internet-das-Coisas (Internet-of-Things, IoT) chegou aos 12.3 biliões. São mais do que o número de seres humanos. Se em cada um desses houvesse uma IA, seriam mais do que nós. Para aqueles que pensam que cada um destes dispositivos poderia ser um neurónio de um grande cérebro mundial internético de Inteligência Artificial, e que isso representa um perigoso, fique descansado. O número de neurónios em cada cérebro humano é 7 vezes mais do que o número de dispositivos na IoT, mas quem sabe se uma IA não precisa de menos neurónios porque os usa com mais eficiência?
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