ABECEDÁRIO da Carta Apostólica «Patris Corde» sobre São José

Crónicas 18 dezembro 2020  •  Tempo de Leitura: 19

ACOLHIMENTO: A vida espiritual que José nos mostra, não é um caminho que explica, mas um caminho que acolhe. Só a partir deste acolhimento, desta reconciliação, é possível intuir também uma história mais excelsa, um significado mais profundo. José não é um homem resignado passivamente. O seu protagonismo é corajoso e forte. O acolhimento é um modo pelo qual se manifesta, na nossa vida, o dom da fortaleza que nos vem do Espírito Santo. Só o Senhor nos pode dar força para acolher a vida como ela é, aceitando até mesmo as suas contradições, imprevistos e desilusões.  

 

BONDADE: Com certeza, José terá ouvido ressoar na sinagoga, durante a oração dos Salmos, que o Deus de Israel é um Deus de ternura, que é bom para com todos e a sua ternura repassa todas as suas obras. Dia após dia, José via Jesus crescer «em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens». Como o Senhor fez com Israel, assim ele ensinou Jesus a andar segurando-O pela mão: era para Ele como o pai que levanta o filho contra o seu rosto, inclinava-se para Ele a fim de Lhe dar de comer. Jesus viu a ternura de Deus em José: Como um pai se compadece dos filhos, assim o Senhor Se compadece dos que O temem.

 

CORAGEM: Se a primeira etapa de toda a verdadeira cura interior é acolher a própria história, ou seja, dar espaço no nosso íntimo até mesmo àquilo que não escolhemos na nossa vida, convém acrescentar outra caraterística importante: a coragem criativa. Esta vem ao de cima sobretudo quando se encontram dificuldades. Às vezes a nossa vida parece à mercê dos poderes fortes, mas o Evangelho diz-nos que Deus consegue sempre salvar aquilo que conta, desde que usemos a mesma coragem criativa do carpinteiro de Nazaré, o qual sabe transformar um problema numa oportunidade, antepondo sempre a sua confiança na Providência.

 

DOM: A felicidade de José não se situa na lógica do sacrifício de si mesmo, mas na lógica do dom de si mesmo. Naquele homem, nunca se nota frustração, mas apenas confiança. O seu silêncio persistente não inclui lamentações, mas sempre gestos concretos de confiança. O mundo precisa de pais, rejeita os dominadores, isto é, rejeita quem quer usar a posse do outro para preencher o seu próprio vazio; rejeita aqueles que confundem autoridade com autoritarismo, serviço com servilismo, confronto com opressão, caridade com assistencialismo, força com destruição.

 

ESPERANÇA: Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade. Todos podem encontrar em São José – o homem que passa despercebido, o homem da presença quotidiana discreta e escondida – um intercessor, um amparo e uma guia nos momentos de dificuldade. São José lembra-nos que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação.

 

FRAGILIDADE: A vontade de Deus, a sua história e o seu projeto passam também através da angústia de José. Assim ele ensina-nos que ter fé em Deus inclui também acreditar que Ele pode intervir inclusive através dos nossos medos, das nossas fragilidades, da nossa fraqueza. E ensina-nos que, no meio das tempestades da vida, não devemos ter medo de deixar a Deus o timão da nossa barca. O Maligno faz-nos olhar para a nossa fragilidade com um juízo negativo, ao passo que o Espírito trá-la à luz com ternura. A ternura é a melhor forma para tocar o que há de frágil em nós. O que Deus disse ao nosso Santo – José, Filho de David, não temas… –, parece repeti-lo a nós também: Não tenhais medo!

 

GUARDIÃO: A grandeza de São José consiste no facto de ter sido o esposo de Maria e o pai de Jesus. Como tal, afirma São João Crisóstomo, «colocou-se inteiramente ao serviço do plano salvífico». Sabemos que era um humilde carpinteiro, desposado com Maria; um homem justo, sempre pronto a cumprir a vontade de Deus manifestada na sua Lei e através de quatro sonhos.  Salve, guardião do Redentor e esposo da Virgem Maria! A vós, Deus confiou o seu Filho; em vós, Maria depositou a sua confiança; convosco, Cristo tornou-Se homem.
Ó Bem-aventurado José, mostrai-vos pai também para nós e guiai-nos no caminho da vida.
Alcançai-nos graça, misericórdia e coragem, e defendei-nos de todo o mal. Ámen.

 

HISTÓRIA: Depois de Maria, a Mãe de Deus, nenhum Santo ocupa tanto espaço no magistério pontifício como José, seu esposo. Os meus antecessores aprofundaram a mensagem contida nos poucos dados transmitidos pelos Evangelhos para realçar ainda mais o seu papel central na história da salvação: o Beato Pio IX declarou-o Padroeiro da Igreja Católica, o Venerável Pio XII apresentou-o como Padroeiro dos operários; e São João Paulo II, como Guardião do Redentor. O povo invoca-o como padroeiro da boa morte.

 

IGREJA: Ao completarem-se 150 anos da sua declaração como Padroeiro da Igreja Católica, feita pelo Beato Pio IX a 8 de dezembro de 1870, gostaria de partilhar convosco algumas reflexões pessoais sobre esta figura extraordinária, tão próxima da condição humana de cada um de nós. Na sociedade atual, muitas vezes os filhos parecem ser órfãos de pai. A própria Igreja de hoje precisa de pais. São José não pode deixar de ser o Guardião da Igreja, porque a Igreja é o prolongamento do Corpo de Cristo na história e ao mesmo tempo, na maternidade da Igreja, espelha-se a maternidade de Maria. José, continuando a proteger a Igreja, continua a proteger o Menino e sua mãe; e também nós, amando a Igreja, continuamos a amar o Menino e sua mãe.

 

JESUS: Com coração de pai: assim José amou a Jesus, designado nos quatro Evangelhos como «o filho de José». A fé que Cristo nos ensinou é a que vemos em São José, que não procura atalhos, mas enfrenta de olhos abertos aquilo que lhe acontece, assumindo pessoalmente a responsabilidade por isso. Todo o necessitado, pobre, atribulado, moribundo, forasteiro, recluso, doente são «o Menino» que José continua a guardar. Por isso mesmo, São José é invocado como protetor dos miseráveis, necessitados, exilados, aflitos, pobres, moribundos. E pela mesma razão a Igreja não pode deixar de amar em primeiro lugar os últimos, porque Jesus conferiu-lhes a preferência ao identificar-Se pessoalmente com eles.

 

LIBERDADE: Ser pai significa introduzir o filho na experiência da vida, na realidade. Não segurá-lo, nem prendê-lo, nem subjugá-lo, mas torná-lo capaz de opções, de liberdade, de partir. Talvez seja por isso que a tradição, referindo-se a José, ao lado do apelido de pai colocou também o de «castíssimo». A castidade é a liberdade da posse em todos os campos da vida. Um amor só é verdadeiramente tal, quando é casto. A lógica do amor é sempre uma lógica de liberdade, e José soube amar de maneira extraordinariamente livre. Nunca se colocou a si mesmo no centro; soube descentralizar-se, colocar Maria e Jesus no centro da sua vida.

 

MARIA: O Filho do Todo-Poderoso vem ao mundo, assumindo uma condição de grande fragilidade. Necessita de José para ser defendido, protegido, cuidado e criado. Deus confia neste homem, e o mesmo faz Maria que encontra em José aquele que não só Lhe quer salvar a vida, mas sempre A sustentará a Ela e ao Menino. De José, devemos aprender o mesmo cuidado e responsabilidade: amar o Menino e sua mãe; amar os Sacramentos e a caridade; amar a Igreja e os pobres. Cada uma destas realidades é sempre o Menino e sua mãe.

 

NECESSIDADE: A paternidade, que renuncia à tentação de decidir a vida dos filhos, sempre abre espaços para o inédito. Cada filho traz sempre consigo um mistério, algo de inédito que só pode ser revelado com a ajuda dum pai que respeite a sua liberdade. Um pai sente que completou a sua ação educativa e viveu plenamente a paternidade, apenas quando se tornou «inútil», quando vê que o filho se torna autónomo e caminha sozinho pelas sendas da vida, quando se coloca na situação de José, que sempre soube que aquele Menino não era seu: fora simplesmente confiado aos seus cuidados.

 

OBEDIÊNCIA: De forma análoga a quanto fez Deus com Maria, manifestando-Lhe o seu plano de salvação, também revelou a José os seus desígnios por meio de sonhos, manifestando-lhe a sua vontade. Em todas as circunstâncias da sua vida, José soube pronunciar o seu ‘fiat’, como Maria na Anunciação e Jesus no Getsémani. No fim de cada acontecimento que tem José como protagonista, o Evangelho observa que ele se levanta, toma consigo o Menino e sua mãe e faz o que Deus lhe ordenou. Ao longo da vida oculta em Nazaré, na escola de José, Ele aprendeu a fazer a vontade do Pai. Tal vontade torna-se o seu alimento diário.

 

PATERNIDADE: A paternidade de São José exprimiu-se, concretamente, em ter feito da sua vida um serviço, um sacrifício, ao mistério da encarnação e à conjunta missão redentora; em ter usado da autoridade legal que detinha sobre a Sagrada Família para lhe fazer dom total de si mesmo, da sua vida, do seu trabalho; em ter convertido a sua vocação humana ao amor doméstico na oblação sobre-humana de si mesmo, do seu coração e de todas as capacidades no amor colocado ao serviço do Messias nascido na sua casa.

 

QUESTÕES: Na nossa vida, muitas vezes sucedem coisas, cujo significado não entendemos. E a nossa primeira reação, frequentemente, é de desilusão e revolta. Diversamente, José deixa de lado os seus raciocínios para dar lugar ao que sucede e, por mais misterioso que possa aparecer a seus olhos, acolhe-o, assume a sua responsabilidade e reconcilia-se com a própria história. Se não nos reconciliarmos com a nossa história, não conseguiremos dar nem mais um passo, porque ficaremos sempre reféns das nossas expectativas e consequentes desilusões.

 

RESPEITO: José acolhe Maria, sem colocar condições prévias. Confia nas palavras do anjo. A nobreza do seu coração fá-lo subordinar à caridade aquilo que aprendera com a lei; e hoje, neste mundo onde é patente a violência psicológica, verbal e física contra a mulher, José apresenta-se como figura de homem respeitoso, delicado que, mesmo não dispondo de todas as informações, se decide pela honra, dignidade e vida de Maria. E, na sua dúvida sobre o melhor a fazer, Deus ajudou-o a escolher iluminando o seu discernimento.

 

SOMBRA: O escritor polaco Jan Dobraczyński, no seu livro A Sombra do Pai, narrou a vida de São José em forma de romance. Com a sugestiva imagem da sombra, apresenta a figura de José, que é, para Jesus, a sombra na terra do Pai celeste: guarda-O, protege-O, segue os seus passos sem nunca se afastar d’Ele. Em certo sentido, estamos sempre todos na condição de José: sombra do único Pai celeste, que «faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus, e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores»; e sombra que acompanha o Filho.

 

TRABALHO: São José era um carpinteiro que trabalhou honestamente para garantir o sustento da sua família. Com ele, Jesus aprendeu o valor, a dignidade e a alegria do que significa comer o pão fruto do próprio trabalho. O trabalho de São José lembra-nos que o próprio Deus feito homem não desdenhou o trabalho. A perda de trabalho que afeta tantos irmãos e irmãs e tem aumentado nos últimos meses devido à pandemia de Covid-19, deve ser um apelo a revermos as nossas prioridades. Peçamos a São José Operário que encontremos vias onde nos possamos comprometer até se dizer: nenhum jovem, nenhuma pessoa, nenhuma família sem trabalho!

 

UNIVERSALIDADE: Por este seu papel na história da salvação, São José é um pai que foi sempre amado pelo povo cristão, como prova o facto de lhe terem sido dedicadas numerosas igrejas por todo o mundo; de muitos institutos religiosos, confrarias e grupos eclesiais se terem inspirado na sua espiritualidade e adotado o seu nome; e de, há séculos, se realizarem em sua honra várias representações sacras. Muitos Santos e Santas foram seus devotos apaixonados, entre os quais se conta Teresa de Ávila que o adotou como advogado e intercessor, recomendando-se instantemente a São José e recebendo todas as graças que lhe pedia.

 

VOCAÇÃO: Toda a verdadeira vocação nasce do dom de si mesmo, que é a maturação do simples sacrifício. Quando uma vocação matrimonial, celibatária ou virginal não chega à maturação do dom de si mesmo, detendo-se apenas na lógica do sacrifício, então, em vez de significar a beleza e a alegria do amor, corre o risco de exprimir infelicidade, tristeza e frustração. Deus intervém por meio de acontecimentos e pessoas: José é o homem por meio de quem Deus cuida dos primórdios da história da redenção; é o verdadeiro milagre, pelo qual Deus salva o Menino e sua mãe. O Céu intervém, confiando na coragem criativa deste homem.

 

X: O objetivo desta carta apostólica é aumentar o amor por este grande Santo, para nos sentirmos impelidos a implorar a sua intercessão e para imitarmos as suas virtudes e o seu desvelo. Com efeito, a missão específica dos Santos não é apenas a de conceder milagres e graças, mas de interceder por nós diante de Deus, como fizeram Abraão e Moisés, como faz Jesus, «único mediador», que junto de Deus Pai é o nosso «advogado». Os Santos ajudam todos os fiéis «a tender à santidade e perfeição do próprio estado». A sua vida é uma prova concreta de que é possível viver o Evangelho.

 

Z: À semelhança de Jesus que disse: «Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração», também os Santos são exemplos de vida que havemos de imitar. A isto nos exorta explicitamente São Paulo: «Rogo-vos, pois, que sejais meus imitadores». O mesmo nos diz São José através do seu silêncio eloquente. Estimulado com o exemplo de tantos Santos e Santas diante dos olhos, Santo Agostinho interrogava-se: «Então não poderás fazer o que estes e estas fizeram?» E, assim, chegou à conversão definitiva exclamando: «Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!». Só nos resta implorar, de São José, a graça das graças: a nossa conversão.

 

CARTA APOSTÓLICA PATRIS CORDE DO PAPA FRANCISCO POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO DA DECLARAÇÃO DE SÃO JOSÉ  COMO PADROEIRO UNIVERSAL DA IGREJA

Paulo Costa

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