Moisés, o amigo de Deus – Parte I

Crónicas 25 novembro 2020  •  Tempo de Leitura: 3

A Bíblia revela-nos Jesus como um Deus-Connosco num modo superlativo: «Quem me vê, vê o Pai» (Jo 14,9). Porém, não é uma revelação apresentada de chofre. A Bíblia, num tom pedagógico e crescente, narra como a Aliança definitiva entre Deus e a humanidade foi ensaiada numa série de encontros vitais.

 

Tomemos o exemplo do Êxodo. Tratou-se da primeira experiência histórica de Deus e um acontecimento fundacional na história da Salvação. No pano de fundo desse evento está patente a extraordinária amizade que aconteceu entre Deus e Moisés.

 

Moisés, na fuga do Egito refugiou-se em Madian onde desposou a filha do sacerdote Jetro (Ex 2,21). Um dia, enquanto apascentava os rebanhos do sogro no monte Horeb, de súbito vislumbrou uma sarça ardente que não se consumia (Ex 3,2). Curioso, aproximou-se da sarça e escutou uma voz: «Não te aproximes. Tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar que pisas é uma terra santa.» (Ex 3,5).

 

Foi graças a um casal amigo que fui capaz de discernir neste episódio um convite genuíno e muito especial. Desde que os visito, sempre me pediram para descalçar os sapatos no hall de entrada. E logo de seguida brindam-me com um par muito confortável de chinelos para me sentir à vontade lá em casa! Parece um cliché, mas é verdade.

 

Moisés não tropeçou em Deus. Foi seduzido. Yahveh observava-o há tanto tempo que ansiava por este encontro. Alguns intérpretes judaicos confirmam que Deus usou a sarça ardente como um sinal para chamar a atenção de Moisés e atraí-lo à Sua Presença. Aquela chama fascina, aquece e convida à proximidade.

 

Porém, não se entra à toa na privacidade do outro. Yahveh pede a Moisés para aproximar-se descalço, como que a deixar a banalidade e a superficialidade do lado de fora. Aquela chama e a exigência de descalçar as sandálias “à porta” não ilustram apenas um tabu religioso. Significam o vestíbulo e o prelúdio de uma relação.

 

A meu ver, esta «terra santa» não se esgota apenas na presença divina de Deus. Aquele espaço é santo porque se tornará no lugar privilegiado de uma intimidade, duma confiança e duma entrega que marcará multidões e gerações.

 

E é isso que me toca mais nesta imagem bíblica: algumas amizades ou relações mais profundas não possuem já por si mesmas uma centelha divina, a autêntica imagem e semelhança de Deus? Não serão também «terra santa» e terreno fértil de Salvação?

Gustavo Cabral

Cronista

Engenheiro mecânico. Mestrado em Ciências Religiosas. Atualmente, professor de EMRC. Leigo Redentorista. Adepto de teologia e bíblia.

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