Esperança

Crónicas 17 novembro 2019  •  Tempo de Leitura: 4

Não sei o dia de amanhã. Ninguém o sabe.

 

Alguém pode dizer que vai chover, mas que chuva será essa? Pode ser uma chuva torrencial que nos apanha desprotegidos e que nos gela os ossos, que nos dá o desconforto e o desespero, que nos anuncia a dor de um frio interminável. Pode também ser uma chuva leve que nos aconchega com o seu cantar, que, ao regar as árvores, perfuma a terra com o cheiro a madeira molhada, juntamente com o crepitar caloroso de uma lareira. Talvez a mesma chuva seja para uns aquela e, para outros, esta. Quem poderá dizer?

 

Alguém pode advogar que o dia de amanhã será um dia igual: acordar, trabalhar e dormir. Poderá ser se, fechados em nós próprios, nas nossas próprias ambições, terrores, vícios e loucuras, de que o demónio se aproveita para nos fechar os olhos, não repararmos que, num mesmo dia de trabalho, um colega pode precisar de nós, uma pessoa no café pode agradecer-nos uma simpatia, um alguém no trânsito pode agradecer-nos uma passagem, uma cedência qualquer. Todos os dias, naquelas pequenas coisas, encontramo-nos com tanto, com tanta gente, é impossível um dia ser igual. É, aliás, bastante improvável que um dia seja igual ao outro, mas, num tempo em que toda a gente tem tanto medo de ser irreal, vemos a sociedade (isto é, o pensamento geral) mergulhado em tanta irrealidade inútil e limitativa. Uma dessas irrealidades é a tendência que temos para o controlo daquilo que compõe a nossa vida. Talvez achemos que nos fará bastante felizes saber ao certo o que virá amanhã. Acredito que não. Esse controlo é contra a esperança. Tem esperança quem espera, mas esperar o quê? Esperar o fascínio da vida, aceitar que vivemos dentro de um corpo vivo que, como nós, vive e comporta-se de diferentes maneiras. Esperar a felicidade, sim, mas sabendo que não sabemos o que é a verdadeira felicidade enquanto o corpo nos pesar.

 

A pior maldade, hoje, é talvez a ilusão da esperança do conforto, que não é uma felicidade, é só uma vida sem sofrimento e sem esforço, uma irrealidade onde a pessoa tudo tem e nada precisa na terra. Queremos viver mais tempo, mais jovens, mais protegidos da natureza e dos outros, fazemos regras, construímos edifícios fechados, mas, o homem não é, nunca foi, não será nunca uma ilha. Nós criámos os robôs, eles não nos criaram a nós, então porque ser como eles? Sem sentimento, só lógica.

 

Esperar é isto: um grupo de homens que se atira ao mar escarpado, revolto, profundo, desconhecido, à procura de uma vida. Sim, há tempestades, grandes ondas, correntes contrárias, ventos furiosos. Também há dias leves e bons, de sol quente e brisa favorável. Mas, grande felicidade para todos nós, por mais que nos doa, é que aportaremos sempre no Céu, num reino de um Deus que nos ama tanto e, assim, seremos recebidos como cidadãos, seremos verdadeiramente felizes. Não sei como será esse reino, caros irmãos, não sei de que é feito, porque na terra, não tenho percepção nem conhecimento de tamanha felicidade. É isso que queremos? Então façamo-nos ao mar.

Tem 25 anos. É músico e trabalha numa casa de fados como guitarra portuguesa. A terminar o curso de estudos gerais na faculdade de letras. 

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